Conteúdo publicado originalmente nas páginas da GRACIEMAG número #256. Para ter acesso a outros artigos especiais sobre o melhor do Jiu-Jitsu e do MMA, assine a nossa edição digital e leia antes! Clique aqui e confira!
Se a academia Gracie Barra-BH fosse um time de futebol, seria um daqueles celeiros de craques prontos para serem exportados para os Barcelonas, Manchesters e Real Madrids da vida.
Inaugurada há mais de 20 anos, a escola de fato formou altas safras de lutadores que sempre bateram um bolão nos tatames – todos eles craques na arte de caçar pescoços alheios. Casos de Felipe Preguiça, Romulo Barral, Samuel Braga, Erik Wanderley, Claudio Caloquinha e tantos outros faixas-pretas renomados.
O que faz deles lutadores tão eficientes, “matadores” na hora de amassar e finalizar os oponentes? Para desvendar o segredo, fomos beber na fonte. Enquanto o Brasil se preparava para torcer pela seleção na Copa do Mundo, nossa equipe se dedicava a sabatinar Vinicius “Draculino” Magalhães, líder, tutor e fundador da GBBH, hoje responsável por mais de cem faixas-pretas de Jiu-Jitsu.
Ex-advogado, ex-lutador de MMA e dono de duas medalhas de prata em Mundiais, Draculino é tão respeitado como técnico, por seu estilo casca-grossa e ao mesmo tempo franco e cristalino em suas explanações, que deixa o treinador Adenor Tite parecendo um singelo iniciante.
Faixa-preta desde 1995, Draculino se mudou do Rio de Janeiro para Minas Gerais um ano depois de sua graduação como professor. Em Belo Horizonte, assim, fundou aquela que seria a primeira filial da Gracie Barra fora do Rio. Foi assim que sua história de sucesso começou, e onde ele plantou a semente dos tantos astros do kimono que se espalham hoje pelo planeta, em especial pelos EUA e Europa.
Nossa equipe, como numa mesa redonda, sabatinou Draculino com perguntas e reflexões das mais variadas, tudo para arrancar o máximo de conhecimento em proveito do leitor. Especialista em obrigar o adversário a dar as costas, “Dracu” começou contando por que vê o Jiu-Jitsu similar ao futebol em alguns aspectos. Embalado, avançou e explicou em minúcias os conceitos que o levaram a ser um catador de costas temido, recordou o dia em que ficou 45 minutos nas costas de alguém, e detalhou o papel dos ganchos e dos quadris na hora de atacar.
Fique, a seguir, com os melhores momentos da conversa com o treinador das estrelas Vinicius Draculino, hoje ensinando na Gracie Barra Texas, aos 46 anos, quase 40 deles dedicado aos treinos de artes marciais.
GRACIEMAG: O Jiu-Jitsu é volta e meia comparado a um jogo de xadrez; o ato de pegar as costas e o de montar seriam, assim, como a posição de “xeque” no tabuleiro, certo? Mas como devemos treinar para passar do xeque ao xeque-mate, sem falhar ou deixar o rei inimigo escapar?
VINICIUS DRACULINO: A comparação na minha visão é perfeita. As costas, assim como a montada, é uma posição como o xeque nos tabuleiros – não existe nenhum lugar melhor para avançar dali, não há posição melhor a conquistar. A não ser, claro, sair de uma para outra e vice-versa, ou seja, da montada para as costas ou o contrário. Sendo assim, o praticante que conquista essa posição nobre só pode partir dali para a finalização. São posições de supremacia total, em qualquer situação de luta, e mesmo no MMA ou num caso real de defesa pessoal. Todo lutador, então, deve pensar em afiar quatro aspectos imprescindíveis para ter êxito na finalização pelas costas. São eles: 1) Posicionamento; 2) Controle; 3) Eliminação das defesas; 4) Finalização. O lutador que conseguir atingir a maestria nos quatro fatores será sempre um matador.
Antes de explorarmos esses quatro aspectos, uma pergunta: como não se deixar abater se o oponente escapar das costas?
Vamos lá, afinal é uma situação que pode sim acontecer, tanto com o iniciante quanto com o faixa-preta de alto nível. Isso porque, quando o praticante tem um Jiu-Jitsu completo, ele ou ela fica mais à vontade de tentar e correr riscos, principalmente no treino, onde se forja todo lutador. Porém, a pessoa deve dar o seu máximo para não perder posições. Falamos da comparação com o xadrez, mas eu gosto de comparar o ataque nas costas a um pênalti. Montada e costas são como cobranças de pênalti no futebol, não se pode perder – e ninguém quer perder pênalti. Mas, se acontecer de perder, o craque tem de se virar depois. Uma das únicas situações em que me lembro de ter perdido as costas numa luta foi com o Royler Gracie, em que ele se defendeu com maestria. Mas o fato de ter perdido a posição não me fez quebrar mentalmente, tanto que foi um luta aguerrida e parelha. Depois disso, ele me venceu por uma queda. Mas, se você perguntar, claro que eu sou bolado até hoje de ter chegado lá e perdido a oportunidade. Bateu na trave (risos).
Você destacou a sequência: posicionamento – controle – eliminar defesas – finalizar. Vamos imaginar que o Draculino está treinando, e passou a guarda. Como você trilha o seu caminho até as costas, ou seja, até o pescoço?
Uma coisa que venho notando durante todos esses anos de Jiu-Jitsu é que pegar as costas ocorre em duas situações básicas, a saber: na primeira, quando seu posicionamento é tão preciso, e dotado de tanta pressão, que a pessoa dá as costas como pura consequência disso. Segunda: quando a outra pessoa comete um erro básico que permite a ida às costas. Quando estou treinando, busco sempre pressionar e botar meu parceiro de treino totalmente desconfortável, a ponto de ele me dar as costas como única opção possível, ou então quebrar mentalmente o oponente a ponto de ele dar as costas para sair logo do sufoco. Desde a hora em que dou a queda ou consigo a raspagem, já passo e vou dali com pressão para montar, joelho na barriga ou finalizar, e nisso as costas acabam aparecendo para mim. Por exemplo, as pessoas muitas vezes odeiam tanto a pressão que sofrem no cem-quilos ou na montada que dão aquela clássica virada de costas. Ou seja, é como falei no primeiro e no segundo caso: ou dão as costas por pressão ou erram por conta do desespero.
Pois bem, então você agora chegou às costas. Quais são suas preocupações enquanto enfia os ganchos? Você crê que os ganchos evoluíram de tempos para cá?
A minha concepção sobre os ganchos é a de que eles são um auxílio para controlar melhor o oponente e, no caso de competição, sinalizar ao árbitro que você conquistou aquela fronteira e que ele pode dar os pontos. Mas na real, outros fatores são tão ou até mais importantes do que os ganchos quando a gente chega às costas; caso do posicionamento do seu quadril em relação ao do oponente, ou da posição correta da sua cabeça e de seus braços. Outro fator crucial é manter a pessoa sempre entre seus joelhos. Outra: manter seu peito sempre colado entre as espaldas do oponente.
É aquilo, somente a preocupação com os ganchos não vai fazer o praticante ter bom controle e ser um finalizador. Os ganchos têm de ser dinâmicos, não estacionários. Há, claro, casos como no MMA e no Jiu-Jitsu sem kimono, em que você pode fechar o triângulo pelas costas para controlar, isso realmente trava o adversário e o deixa desconfortável. É um lance típico do MMA, em que as luvas dificultam o estrangulamento e a pessoa usa mais golpes traumáticos. Eu até faço esse triângulo, no sem o kimono, mas com pano raramente faço… Porque prendo o cara sim, mas acabo por me sentir preso e sem mobilidade também.
Agora você está fazendo tudo certo, peito colado na posição perfeita… Você descansa dali ou se apressa em estrangular?
Se eu tiver de descansar e pegar um folegozinho para finalizar, não tem lugar melhor do que ali nas costas, pode acreditar. Se você tem um excelente posicionamento e um exímio controle, pode ficar um mês nas costas de alguém, mesmo não finalizando. Na maioria das minhas lutas, quando peguei as costas – o que ocorreu muitas vezes – de fato não demorei, graças a Deus, a finalizar logo. Mas em treino já vivi situações que ocorreram há mais de 15 anos e até hoje não esqueço… Meu aluno Carlos Terrinha, super campeão na categoria master, é um cara altamente técnico e explosivo para caramba; pois houve um dia na academia que eu fiquei 45 minutos nas costas dele. Tive paciência, não perdi a posição e acabei finalizando depois desse tempo todo. Foi um treino marcante, porque ali eu vi que sem um bom controle e posicionamento eu teria certamente perdido a posição.
Existe a “finta” na hora de atacar as costas? Fingir que quer outra coisa para enfim pegar o pescoço de jeito?
Sim, eu gosto muito desse sistema de distração. No caso, gancho-pescoço e pescoço-gancho. Você ao dar a blitz investindo mais num dos aspectos, o oponente automaticamente vai se preocupar mais com isso e se abrir mais em relação a outro. Você faz tanto isso que a pessoa fica frustrada e acaba te dando a finalização. Mas de novo, tudo isso vem do bom posicionamento e do controle.
Como o quadril atua no ataque pelas costas?
Como tudo no Jiu-Jitsu, o quadril é essencial nas costas, atacando e defendendo. Mestre Carlinhos Gracie certa vez falou uma frase para mim que é a mais pura verdade: “O quadril é a parte do corpo mais importante no Jiu-Jitsu.” E eu concordo 100%. O posicionamento do quadril auxilia tanto no ataque quanto na defesa. Quem tiver um melhor posicionamento de quadril nas costas vai ganhar a briga, defendendo ou atacando. Um exemplo clássico disso é o famoso “espalha-frango”. Quando bem aplicado, há um total domínio do oponente. Feito com o posicionamento do quadril muito para baixo, o defensor consegue botar o ombro e depois as costas no chão e acaba te botando na guarda. E se você posicionar o quadril muito para cima, o oponente consegue levantar o lombar e você acaba caindo para frente, meio que de cara, muitas vezes caindo por baixo. Então daí você vê, quem ganhar essa briga de posicionamento de quadril vai conseguir seu objetivo.
Você falou no fator de “eliminação de defesas”. O que o oponente prestes a tomar o estrangulamento costuma tentar que mais atrapalha você ao atacar as costas? Como você elimina tais defesas?
Houve uma época em que os oponentes começaram a esconder a gola do kimono debaixo do sovaco para dificultar o estrangulamento com o kimono. Mas com isso passaram a dar chance para outras técnicas, como o ezequiel nas costas, o mata-leão clássico e outros. Na verdade, a pessoa que escapa bem das costas é paciente… Defende o pescoço e braço botando 75% de ênfase nisso, e 25% na defesa dos ganchos e afins. O cara afoito, aquele camarada que quer sair de qualquer maneira para não dar os pontos dos ganchos, geralmente bate rápido.
O Royler e o Roger Gracie, cada um com suas técnicas peculiares, são os caras que melhor vi saírem das costas. O Roger, graças à sua calma e paciência de um monge; o Royler, graças a uma habilidade tremenda de botar a pessoa num ângulo ruim para finalizar. O segredo para ter sucesso com pessoas que se defendem muito bem é também ter altas doses de paciência, conforme relatei no treino com meu aluno Carlos Terrinha. Só com paciência, posicionamento e controle o lutador é capaz de eliminar os aspectos mais importantes da defesa, como o quadril, pegadas, ângulo etc.
Na sua opinião houve algumas revoluções na arte de finalizar pelas costas, com caras como Marcelinho Garcia, Roger, os Miyao, os Mendes…? Ou nada disso foi um salto, foram apenas degraus numa evolução normal?
Acho que houve uma evolução gradual, mas não só nas costas, como no Jiu-Jitsu como um todo. A arte evoluiu muito, e por consequência o ataque e a defesa de costas também melhoraram. Se fizerem uma estatística, estou certo de que a posição em que mais há finalização nos campeonatos é ali das costas. E isso é fácil de explicar: quando pegam suas costas, você não pode puxar ou empurrar o oponente, pois mal está vendo o que está acontecendo… Ou seja, sufoco brabo!
Quem foram seus alunos mais perigosos nas costas?
Não é para me gabar não, mas tenho os melhores alunos do mundo e sou muito orgulhoso deles todos. A esmagadora maioria deles tem um Jiu-Jitsu completíssimo. Difícil fazer essa seleção aí, melhor evitar a ciumeira! Mas a academia Gracie Barra-BH e todos que vieram de lá são matadores nas costas porque dominam muito bem as quatro fases antes relatadas para ser um bom finalizador.
Hipótese: um oponente defendeu bem a gola, se fechou todinho; você dá o mata-leão na boca, com mandíbula e tudo?
Sou um professor e praticante que faço tudo para não machucar meus alunos e parceiros de treino. Então acho que o Jiu-Jitsu tem um leque tão grande de opções que você não tem necessidade de fazer algo considerado “grossura”, ainda mais num treino com colegas que não estejam de grosseria para o seu lado. Mas, em competições, o que estiver na regra e for valido… É como diz o velho ditado: “Queixo não é defesa”. Então, rosto e boca não é defesa. Uma vez atacado pelas costas, você precisa se defender de fato. E, se o atacante não tiver outra opção, fazer o quê? É só não fazer o que os adversários não fariam contigo. Agora, fazer grossura deliberadamente, quando se tem a opção de finalizar com técnica, aí é condenável, por ser meio antiético.
Seu jogo no Jiu-Jitsu tem mudado muito com o avanço dos anos?
Rapaz, a idade fez com que eu perdesse boa parte da minha velocidade. Isso realmente senti muito. Mas é por isso mesmo que, mais do que nunca, eu uso a pressão para fazer a pessoa desconfortável o tempo todo, até ela me dar as costas. Hoje em dia, tenho montado mais do que pegado as costas, por incrível que pareça… Mas quem quiser me dar as costas eu continuo aceitando amarradão!
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