À primeira vista pode parecer estranho, mas o treino de taparia é uma das formas mais importantes para se manter uma boa rotina nos treinos de defesa pessoal com vistas a situações de combate real de rua.
Numa situação de agressão real, muitas vezes há um período de estresse inicial, geralmente com provocações anteriores à ação propriamente dita. É para esse tipo de situação, onde o agressor encara e escolhe você como mira, que o treino de taparia serve. Em duplas, os atletas podem usar os tapas como se fossem socos. A ideia, no fim, é ensinar os alunos a controlarem a distância, agirem com eficiência e reagirem sem receio.
Professor e árbitro renomado da IBJJF, o carioca Muzio de Angelis lembra dos áureos tempos em que seu pai, mestre Pierino de Angelis, saía no tapa carinhosamente com os alunos na academia na Gávea. “Tem uns vídeos muito irados dos treinos de taparia do meu pai aqui na academia. Esse tipo de treinamento segue sendo uma prática importante para o desenvolvimento do Jiu-Jitsu em situações reais de combate”, lembra.
Nos primórdios do vale-tudo no Brasil, no século XX, muitas das lutas substituíam socos por bofetões, para aliviar as mãos descalças dos competidores e para minimizar o elevado potencial traumático dos socos, que causavam com frequência lacerações ou cortes. Como num acordo de cavalheiros, os treinadores e atletas determinavam que só valia “soco de mão aberta”. Essa prática ficou conhecida como “taparia”.
A moda pegou e, nas décadas de 1980 e 1990, os tapas ainda comiam solto nas academia de Jiu-Jitsu. Com a evolução do vale-tudo para uma modalidade com socos (e com luvas), a taparia foi declinando nas academias. O Jiu-Jitsu, seguindo uma veia mais esportiva e menos voltada para a defesa pessoal em pé, contribuiu para o quase sumiço do treino com troca de tapas. Mas a taparia permanece viva em muitos dojôs, não se engane.
“Costumo colocar a taparia durante os aquecimentos de meus alunos. Determino que um dos alunos só pode atacar, no papel do agressor. Já o outro só pode usar o Jiu-Jitsu sem revidar – cabe a ele controlar a distância, botar para baixo, imobilizar e finalizar. É uma forma de preservar essa importante tradição de nossa arte marcial”, explica o faixa-preta Marcel Manholi, que tem vasta experiência como instrutor de defesa pessoal para a polícia em São Paulo.
O americano Eddie Bravo pretende inovar em seu próximo evento, o “Eddie Bravo Invitational”, e promover lutas de Jiu-Jitsu com o uso da taparia. “A não ser quando os lutadores estiverem no chão, estarão liberados os tapas de mão aberta para abrir caminho para os botes e aumentar o número de finalizações. Não serão permitidos socos, não é MMA, não vale cotoveladas e chutes, apenas tapas”, disse Bravo ao site de BJ Penn.
Em 2007, GRACIEMAG lançou uma antológica edição #122 com a seguinte chamada de capa: “As 100 coisas que você precisa fazer antes de pegar a faixa-preta”. Você se recorda do item número 28? Então relembre: “Próximo da faixa-preta, participe de treinos simulados de vale-tudo, conhecidos popularmente como treinos de bloqueio e taparia. Situações reais de luta são extremamente importantes para afiar sua defesa pessoal, saber o tempo de entrada de queda e lapidar outros aspectos”.
Como lembra Manholi, a taparia pode ser útil até mesmo para aquele faixa-branca que por um motivo ou outro deixa o Jiu-Jitsu após poucos meses: “Ao ensinar técnicas básicas do Jiu-Jitsu voltadas para situações reais, o professor vai transmitir algo que pode ser útil para o resto da vida da pessoa, mesmo que aquele aluno não treine nunca mais”. E você amigo leitor, já riscou da sua lista o item 28 daquele clássico artigo da revista?
(Por: Willian von Söhsten, formado em jornalismo e direito, com pós-graduação em semiótica. Willian é faixa-preta de Cícero Costha e professor de Jiu-Jitsu da Team Nogueira em Ribeirão Preto, SP.)