Se o valor de um bom professor é medido pela quantidade de alunos gratos, Sebastian Rodriguez Valle foi um senhor mestre.
Jovem sensei carioca de 38 anos, Sebastian deixou família e alunos precocemente, nessa semana, quando teve um mal súbito e morreu dormindo. Ele era faixa-preta e professor titular de karatê-dô do tradicional Clube Israelita Brasileiro (CIB), em Copacabana, e também faixa-roxa de Jiu-Jitsu, modalidade que fazia questão de incluir em suas aulas semanais de defesa pessoal aos sábados, no clube.
Assim era Sebastian, sempre com a cabeça aberta para diferentes técnicas. O professor tinha orgulho de se apresentar como discípulo do mestre Luiz Rodolfo Ortiz. Sebastian fundou, junto com outros dois professores, o atual espaço para aulas de diversas modalidades de luta no CIB, usando como marca a expressão em japonês que dá nome à área de treino, mas também ao local onde os monges zen-budistas fazem sua meditação e que, como tal, deve ser respeitado: Dojô.
A meditação, aliás, era algo que Sebastian sempre incluía na abertura de suas aulas, depois de um aquecimento “puxado”, como lembra Gustavo Iglesias, 37 anos. “Uma das coisas que ele passava muito em aula era uma preocupação em entender a postura mental do lutador de Jiu-Jitsu, de forma semelhante ao que se faz no karatê, e também no kung fu, aikido etc”, diz o médico.
Sebastian teve início relativamente tardio nas artes marciais, o que não o impediu de alcançar importantes graduações e transitar entre modalidades diversas em relativamente pouco tempo. Apesar de ter feito “um ou dois anos” de Jiu-Jitsu na adolescência, como conta o também amigo Thiago Musa, foi só no ano em que completou 20 anos de idade, 1999, que Sebastian começou a aprender karatê, com o sensei Ortiz, no clube Olympico.
E foi no mesmo Olympico que Sebastian teve contatos com a turma do BJJ local, segundo conta Gustavo. Na época, Sebastian estava cursando Desenho Industrial na Escola de Belas Artes da UFRJ e aceitou a encomenda de um trabalho de design do pessoal do Jiu-Jitsu, possivelmente a elaboração de um logotipo. O pagamento? Em aulas.
O talento de Sebastian para o desenho era objeto de admiração dos amigos desde os primeiros anos de sua vida estudantil, quando os personagens criados por ele ganhavam vida e proliferavam pelas páginas dos cadernos dos colegas. Em geral, a pedido dos próprios.
Um desses personagens era o Preguinho, um moleque arteiro de cabeça alongada e chata que fazia as vezes de super-herói nas horas vagas, espécie de alter ego e dileto representante do humor ácido e extremamente inteligente de “Sebá”, como era chamado o sensei nos primeiros anos na escola.
Foi esse mesmo talento para o traço que motivou, ao menos oficialmente, a ida do já faixa-preta para Barcelona, em 2005, para cursar Ilustração pela Escola Massana. A criatividade que ele usava ao desenhar e seu perfil questionador mostravam-se presentes também na sua história e na sua capacidade de se reinventar. Na Catalunha, Sebastian trabalhou em cassino como crupiê por quase dois anos, atuou como fotógrafo, foi segurança e deu aulas de Jiu-Jitsu e defesa pessoal, como conta Thiago.
E teve contato com Pedro Duarte, professor de Jiu-Jitsu discípulo de Murilo Bustamante. Com Duarte, Sebastian voltou a treinar BJJ, com aulas de submission e MMA inclusive.
Pouco depois de sua volta ao Brasil, mais precisamente ao Rio de Janeiro, Sebastian criou um grupo, formado por amigos, que se reunia para treinar duas a três vezes por semana, no playground do prédio onde morava o pai de um deles, o do Thiago, hoje com 35 anos de idade e amigo do nosso sensei desde os 15.
“No início de 2013, ele tinha voltado de Barcelona e, precisando de grana, ofereceu de dar aulas de karatê e Jiu-Jitsu para os amigos, e alguns de nós se cotizaram para comprar um tatame desmontável”, conta Gustavo. O grupo, que chegou a nove pessoas, carinhosamente se deu o nome de “Faixa-Branca”.
O resto é história. A equipe Faixa-Branca durou um ano e meio. Sebastian voltou a treinar karatê, fazia traduções, dava aulas de inglês e espanhol, e começou a ter vontade de montar o próprio dojô, o que ele conseguiu fazer com sucesso há pouco mais de um ano no CIB. “O sonho para ele era viver de artes marciais”, conta Gustavo.
Seus ensinamentos inspiravam, para muito além da luta propriamente dita, quem teve a oportunidade de passar pelo seu tatame. “Ele tinha uma postura de sensei, ajudou muita gente, até mesmo alunos com problema de alcoolismo”, relata Thiago. Essa atitude equilibrada era também a de quem nunca gostou de injustiças, as sociais ou as que envolviam pessoas próximas, e posicionava-se claramente sobre elas, mas sem nunca perder a ternura. Era um sujeito intenso, amoroso e cheio de vida.
Sebastian Rodriguez Valle foi enterrado na manhã deste sábado, 15 de abril, no São João Batista. Deixa dois sobrinhos, afilhados, duas irmãs, a namorada, com quem morava no Grajaú, amigos, amigos-irmãos, alunos e fãs. Todos muito saudosos de suas lições, seu carinho, seu humor e sua inteligência. Até logo, Sebastian.
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