Perder dói. Vamos deixar de lado o falso estoicismo e assumirmos uma verdade absoluta: ninguém gosta de perder. Não conheci até hoje nenhum ser iluminado o suficiente para ficar indiferente a uma derrota ou alguém moralmente elevado o suficiente para, imediatamente, acreditar que aquilo ocorreu para o próprio bem.
É duro aceitar, mas a realidade é que, tanto o esporte quanto a própria vida são feitos de vitórias e derrotas, de bons e maus momentos. O que diferencia realmente as mentes fortes é saber reconhecer essa realidade e se recuperar após uma perda.
Gênios como Michael Jordan, Muhammad Ali e Georges St-Pierre souberam transformar derrotas em aprendizados e em motivação para se recuperarem. Corrigiram falhas, aprimoraram-se e apresentaram algumas das melhores atuações da história do esporte após sofrerem reveses pesados.
Infelizmente, essa não é a regra. Muitos astros conquistam uma autoconfiança tão elevada que a derrota passa a ser algo inconcebível. Quanto melhores eles são e mais vitórias vão acumulando, mais iludem-se de que são invencíveis. Quando essa ilusão é desfeita, perdem sua fundação e despencam em uma queda sem fim.
Autoconfiança é sim algo positivo. É ótimo mentalizar a vitória, acreditar em si mesmo, achar sempre que é possível vencer. Porém, como todo remédio, aconfiança em doses excessivas torna-se um veneno. Grandes lutadores como Anthony Pettis, Anderson Silva e Ronda Rousey apoiaram-se tanto na crença de que eram indestrutíveis que não souberam se recuperar da perda de seus cinturões.
Anthony Pettis tem o apelido de “Showtime”. Um apelido que era digno de suas lutas soltas, inventivas, criativas. Pettis tinha desenvoltura para arriscar desde a invenção do chute “Matrix” (chute com apoio na grade do octógono que aplicou no WEC) até a finalizar Ben Henderson (lutador mais graduado no Jiu-Jitsu e então campeão de UFC) com um armlock clássico de dentro da guarda. Porém, depois de ser pressionado e perder seu título para Rafael dos Anjos, parece que o destemor que o tornava especial esgotou-se. O Showtime acabou e seguiram-se quatro derrotas em cinco lutas, todas com desempenhos pífios.
No caso de Anderson Silva, o impacto do fim da invencibilidade é ainda mais evidente. O Spider é, na minha opinião, o lutador mais fantástico da história do MMA e soube, como ninguém no UFC, explorar a autoconfiança para potencializar seu talento, intimidar seus adversários e proporcionar grandes espetáculos ao público. Anderson baixava a guarda, expunha o rosto para que os oponentes tentassem acertá-lo e apresentava esquivas quase impossíveis. Arriscava porque acreditava piamente que não iria perder.
Contra Chris Weidman, essa rotina foi empregada em excesso e deu errado. Anderson foi nocauteado e perdeu o título que ostentou por quase sete anos. Isso não significa que tudo o que havia feito até então estava errado ou que sua carreira deveria acabar ali. Mas o que vimos daí em diante foi um lutador vacilante, conservador, temeroso. Nas lutas contra Nick Diaz e Michael Bisping, não tenho dúvidas de que o brasileiro tinha tudo para ganhar com direito a “couvert artístico”. Acontece que, sem a confiança necessaria, o que se sucedeu foram combates mornos nos quais Anderson parecia estar com o freio demão puxado.
Por pior que seja a situação de Pettis e Silva, sem dúvida o caso mais acintoso de não saber assimilar a derrota é o de Ronda Rousey. A ex-judoca olímpica foi a grande responsável pela popularização do MMA feminino e chegou a ser a maior estrela do UFC como um todo. Estava invicta e tinha um cartel inacreditável de 12 vitórias, todas por nocaute ou finalização, totalizando meros 25min36s de tempo na soma de todos os seus combates.
Tudo ia maravilhosamente bem até aquele chute. A canela esquerda de Holly Holm no UFC 193, em 2015, tirou muito mais do que o título de Ronda. A primeira derrota tirou toda sua estima, seu equilíbrio psicológico, sua própria identidade. Ronda simplesmente sumiu, engolida pela depressão e autocomiseração. Fugiu da imprensa, abandonou a academia, engordou. Toda aquela confiança que era vista como uma força mostrou-se uma grande fragilidade. Uma tênue máscara que escondia uma mulher instável, frágil, despreparada para lidar com as adversidades da vida.
A volta da ex-campeã no UFC 207 atraiu milhões de espectadores. Rousey estava novamente bela e em forma, aparentemente pronta para recuperar seu cinturão. Todavia, um olhar mais atento revelava que algo não estava certo.
Ronda não participou dos eventos normais de imprensa e promoção da luta. Recusou-se bizarramente a falar após a pesagem. Boatos diziam que ela havia chorado no vestiário após ver-se frente a frente com a soberana campeã Amanda Nunes. Na pesagem, a brasileira estava radiante ao entrar com uma intimidadora máscara de leoa. Já Ronda estava agitada e com um olhar receoso, sem o costumeiro brilho confiante. No momento em que o octógono se fechou no dia 30 de dezembro de 2016, ocorreu um massacre. A atual campeã avançou para cima de Ronda e desferiu 47 golpes para encerrar a luta em 48 segundos. Rousey foi um alvo fixo e não apresentou qualquer perigo à brasileira. Sua mente não estava lá. Ainda estava presa àquela derrota em novembro de 2015.
Estes tristes exemplos nos mostram que precisamos saber perder se quisermos de fato nos reerguer. O Jiu-Jitsu nos mostra que uma queda é só o começo do combate e que podemos perfeitamente vencer quando estamos por baixo.
Há vários aforismos da sabedoria oriental que pregam a aceitação e compreensão das derrotas como forma de crescimento. Mas, para não ser clichê, lembro os ensinamentos do mais icônico sábio da mitologia cinematográfica, o inesquecível mestre Yoda: “Treine para se desapegar de tudo o que você teme perder”.
* Artigo retirado da revista GRACIEMAG. Assine a versão digital e confira outras matérias como esta direto no seu celular, tablet ou computador.
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