Professor respeitado e competidor ferrenho, com incontáveis títulos no Brasil e no exterior, Roberto Godoi chegou à marca de três décadas de compromisso firme com o Jiu-Jitsu. A estrada foi longa e cheia de desafios, mas o professor, que sempre gostou de se testar, perdurou no decorrer dos anos e construiu sua imagem em paralelo à equipe G13BJJ, time que lidera.
Nós conversamos com Godoi para a edição número #251 da GRACIEMAG, e o papo revisitou grandes momentos da trajetória do professor, desde seu primeiro contato com o Jiu-Jitsu, a primeira academia, até chegar na análise dos mais de 20 anos de faixa-preta, com dicas valiosas para você percorrer com sucesso o caminho de aprendizado constante da arte suave.
Confira a conversa a seguir e aprenda com Roberto Godoi.
GRACIEMAG: Primeira pergunta, antes que esqueçamos: como surgiu seu clássico apelido, “Jason”?
ROBERTO GODOI: (Risos). Boa. O apelido nasceu na academia do Waldomiro Perez, o Junior. Eu era um dos treinos mais duros na academia e quase sempre estava de kimono sujo e com um rasgo ou outro. Desde novo, eu também nunca tive muito cabelo, e isso tudo coincidiu com o sucesso dos filmes da série “Sexta-feira 13”. Quando o Junior ia separar os treinos, ele mandava: “Vai lá, você treina com o Jason, vai!”. Mas quem realmente fez o apelido pegar e eu assumi-lo, foi um grande amigo nosso, que desenvolveu meu primeiro patch para o kimono; quando eu vi, era um boneco do Jason de máscara e kimono! A molecada mais jovem sempre se amarrou, mas eu mesmo nunca liguei muito.
Este ano você completa 30 anos de Jiu-Jitsu, 21 já como faixa-preta. O que viveu de mais memorável nestes anos todos?
Exato, fui promovido faixa-preta no fim de 1996, e há 21 anos trago ela com muito orgulho em minha cintura. Em 1997 lembro com carinho das minhas primeiras lutas como faixa-preta, no Pan do Havaí da IBJJF. No Mundial de Jiu-Jitsu, belisquei um terceiro lugar no Tijuca Tênis Clube, foi um momento único. Vivíamos verdadeiras aventuras, com caravanas de carro saindo de São Paulo, batidas na serra das Araras, o sofrimento das pesagens no dia anterior… Lembro de ter ficado correndo três horas em volta do ginásio e ainda ter de pesar nu para bater o peso e poder lutar. Ficávamos num hotelzinho de quinta categoria, amontoados, entrávamos furtivamente na madrugada para os gerentes não perceberem. São histórias que hoje o pessoal mal acredita.
São três décadas praticamente sem parar de competir. Como acha que essa constância nos campeonatos o ajuda, como professor e como cidadão?
Com 43 anos, meu corpo cobra hoje as diversas lesões que tive no decorrer desse tempo, e com isso vêm algumas limitações, mas não será isso que vai me parar, pelo menos não agora! Tenho paixão por aquele sentimento de pisar no tatame, de me testar, de ouvir os caras falando que fulano está na minha categoria e que ele está treinado para ganhar. São esses sentimentos que mantêm acesa dentro de mim aquela chama de criança, a vontade de treinar similar a de quando comecei no esporte. Competir também me torna um profissional melhor a cada dia – a busca não está em provar nada a ninguém, e sim perseguir a evolução contínua e o equilíbrio do meu Jiu-Jitsu, sem falar no aprimoramento do nosso grupo como um todo.
É aquela frase do Rickson Gracie, o estudo e o aprendizado não terminam nunca…
Sim, pois o Jiu-Jitsu evolui e se moderniza a cada ano. Eu sei que tenho muita coisa a aprender e melhorar; com isso, competir e treinar com meus alunos diariamente me obrigam a ficar atualizado com o que há de mais atual na nossa arte. Além do mais, os campeonatos são ótimos para rever amigos, dar risadas, ampliar nossa rede de contatos, entre tantos outros benefícios para um professor.
Como você começou a treinar Jiu-Jitsu?
O Jiu-Jitsu entrou na minha vida por acaso. Eu estava num colégio que volta e meia tinha confusão na saída, e na minha turma havia um argentino bom de briga. Um dia, esse camarada foi passar um fim de ano no Rio de Janeiro e voltou em choque. Ele me chamou e disse: “Se você não quiser apanhar de mais ninguém na vida, você tem de aprender o que vi no Rio!”. O argentino tinha visitado uma academia Gracie e contou que tinha sido retorcido de tudo que é jeito: “Dino (era meu apelido), o que você precisa fazer é isso, chama Jiu-Jitsu!”.
E foi fácil achar uma academia em São Paulo?
Eu fiquei sabendo que o Marcelo Behring, que já era um famoso campeão formado pelo Rickson, havia acabado de chegar em SP em 1988. Parti para lá mas a academia era badalada e os treinos eram caros, eu não tinha condição nenhuma de pagar. Dei sorte pois meu irmão voltou dos EUA e me deu uma jaqueta novinha. Vendi a jaqueta pelo preço de três meses de treinos e comecei. Foi lá que conheci o Waldomiro, que era o braço direito do Marcelo e depois seria meu professor e grande amigo.
Qual foi a luta mais memorável de sua carreira?
Todas tiveram valor, e trouxeram grande aprendizado. Mas não me sinto capaz de resumir num momento, numa conquista pessoal, toda minha trajetória dentro do Jiu-Jitsu. Meu maior feito no esporte sem dúvidas foi o número de pessoas e vidas que pude ajudar a melhorar, não só os que treinaram comigo mas seus familiares e pessoas em torno também.
Ainda se lembra de sua primeira academia?
Eu ainda era faixa-roxa, em 1992, quando junto com um amigo decidi montar a primeira academia que tive, nos fundos da minha casa. Lá era pequeno, tinha espaço para cerca de 15 alunos por turma, e no primeiro mês já tínhamos 30 alunos treinando – e uns dez esperando vaga. Hoje nossa escola G13BJJ vem se estruturando cada dia mais a nível de empresa, e buscar dar todo o suporte e o retorno aos seus alunos e professores franqueados. A estrutura é inimaginável, olhando para aquela academia nos fundos de casa. Nossa preocupação hoje é cuidar para que a G13BJJ seja vista e reconhecida como uma “escola de artes marciais”, e nosso papel cada vez mais é de bons educadores.
Ensinamos tanto aos alunos que pensam em competir quanto aos que sonham em empreender e saber lecionar e gerir seu próprio negócio um dia. Hoje somos mais de 7 mil alunos em 71 unidades, sendo 55 unidades no Brasil, entre São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia e Santa Catarina. Fora do Brasil são cinco nos EUA e uma na Austrália.
Que dicas você daria para ter sucesso no Jiu-Jitsu e chegar à faixa-preta?
Difícil resumir em poucas dicas, porque são muitas variáveis envolvidas. Mas eu diria que a número um é a disciplina, para treinar constantemente e não desistir; a segunda é a saúde – para sua máquina funcionar bem, cuide de seu corpo; e a terceira é a autoconfiança: acredite em você, e não deixe nada ou ninguém falar que você não pode ou não é capaz!
Esforço sempre vai vencer o talento, no Jiu-Jitsu?
Eu estou certo que talento sem disciplina e muito esforço não nos leva a lugar nenhum. Desde criança eu gosto de lutar, mas sempre fui mais aguerrido e perseverante que um cara talentoso em si. Em várias lutas e campeonatos que venci, obtive sucesso por saber que para ser vitorioso eu precisaria primeiro superar uma carência de talento minha. Hoje certamente sou um cara mais duro hoje por ter esse foco, por saber do que sou feito. Sempre procurei me esforçar mais hoje para a cada dia ser um Godoi melhor do que ontem.
Um dos seus pontos fortes é enfiar a mão na gola, em pé, no chão, já sempre engatilhando um golpe… Como funciona essa sua tática?
É preciso primeiro lembrar que nossa luta começa em pé antes de ir para o chão, por isso é evidente que, seja para quedar, raspar ou chamar na guarda, todas as posições tem seus preparativos e nuances, em especial esses detalhes de pegadas em golas e mangas para poderem acontecer com sucesso. Em pé eu procuro exercer minha pegada dominante de canhoto na gola do oponente, e quando a consigo ela me abre um bom leque de ataques e posições, detalhes que repasso para todos do nosso time. Mas Jiu-Jitsu nem sempre é o que queremos, e sim o que aparece na hora da luta, então em nossos treinamentos rotineiros na G13 enfocamos tanto nosso jogo forte quanto nosso lado deficiente, para tentarmos cada vez mais equilibrar e elevar nosso jogo.
Você fez sete lutas de MMA e começou lá atrás, em 1995. O que aprendeu sobre Jiu-Jitsu e sobre si mesmo subindo nesses ringues?
Eram tempos totalmente diferentes, em que era um caminho meio natural migrar e cair para dentro do “vale-tudo” em algum momento de sua trajetória, até para buscar essa “validação” de sua faixa. E comigo não foi diferente. Tive diversas lições e aprendizados dentro do vale-tudo e sou grato por cada experiência que hoje soma para a bagagem que possuo, e assim consigo contribuir para realizar os objetivos dos meus atletas, profissionais ou não. Meu sonho é servir de rampa para todos os meus alunos chegarem muito mais longe do que eu.
Você, como muitos professores, passou por uma mudança de imagem que é similar à própria evolução que se deu com o Jiu-Jitsu: antigamente, passava uma imagem de marra; hoje, você se assemelha a um paizão dos alunos, respeitador, cordial com os oponentes… O Jason hoje é de paz?
Sim, trata-se de um amadurecimento natural meu como pessoa, que aconteceu paralelamente à transformação dos valores do Jiu-Jitsu como esporte e estilo de vida no mundo todo. Eu estive à frente de um grupo e fui um “mestre” muito cedo, e com essa imaturidade tive meus erros, mas também meus acertos. Lá atrás esse era um estereótipo colado na maioria dos lutadores de Jiu-Jitsu, mas sem dúvida alguma hoje sou uma pessoa muito melhor preparada em todos os sentidos para ocupar minha posição. Boa parte disso eu devo a meus pais e ao que aprendi no Jiu-Jitsu, por ser essa ferramenta única de equilíbrio emocional e resgate de valores morais que, praticado diariamente, nos molda e aos que nos cercam, para termos um convívio mais harmonioso e conquistarmos uma sociedade melhor.
Em 2001 a Godói-Macaco, que vinha com projeção no circuito esportivo paulista, se separou. Que lições você tirou da separação?
A Godoi-Macaco em seus tempos áureos foi única, e quem viveu aquilo, viveu! Não cuspo no prato em que comi e tenho orgulho de todos que ali passaram, sem desmerecer a tantos outros que batalharam com muito afinco lá atrás em SP, mas fomos um dos principais responsáveis pelo surgimento com relevância do nome Jiu-Jitsu no mapa de SP e do Brasil na época. Ajudamos a construir o Jiu-Jitsu paulista e sempre acreditei em mim, e soube do meu papel e valor dentro do time. Isso refletiu na minha autoconfiança e total segurança que não me fez temer qualquer separação ou reinício do zero que eu precisasse passar. Mas isso é o resumo do Jiu-Jitsu, a arte nos prepara para ser um campeão na vida. Eu apenas foquei no trabalho, sem dar ouvidos a bochichos, porque “os cães ladram e a caravana passa”.
Em dezembro fez dez anos da morte do Ryan. Qual você acha que foi sua importância para o Jiu-Jitsu?
A perda do Ryan representou a perda de um grande lutador, era um grande material humano. Mas o Ryan perdeu para ele mesmo. Muitas vezes as maiores batalhas que enfrentamos em nossas vidas não são contra oponentes de rosto ou de corpo físico contra o qual conseguimos atingir fisicamente. Por isso a luta muitas vezes é desigual, e dessa forma não devemos julgar ninguém. Controverso ou não, ele sempre foi um agregador e tido por seus alunos como um líder nato. Sua vinda para SP, independentemente de todos os “causos”, contribuiu sim para o fomento do Jiu-Jitsu em nosso estado e revelou muitos atletas e amigos que tenho para a vida e levam hoje o legado e nome dele pelo mundo.