Nicholas Meregali é um desses faixas-pretas que chegam com tudo no cenário internacional. Depois de conquistar títulos mundias nas faixas-coloridas, a fera da Alliance se jogou no seu primeiro Mundial da IBJJF como faixa-preta em 2017, e despachou ninguém menos que Leandro Lo na final do peso pesado.
Na GRACIEMAG #250, conversamos com a fera sobre sua conquista, a pressão para impor seu ritmo contra Leandro Lo, e como o atleta fez para se tornar um guardeiro criativo e blindado. Confira abaixo e, para ler mais entrevistas como esta, assine a GRACIEMAG!
GRACIEMAG: Invulnerável. Esta é uma palavra que você usa muito, para descrever seus objetivos nos treinos. Isto é, você procura ter uma guarda a cada dia menos vulnerável contra todo e qualquer ataque inimigo. É possível para qualquer praticante de Jiu-Jitsu treinar com essa meta em mente?
NICHOLAS MEREGALI: É uma palavra de que gosto muito realmente, “invulnerável”. De fato, meu pensamento em relação ao Jiu-Jitsu é procurar treinar buscando ser o mais impecável o quanto possível. Quando penso em melhorar minha guarda, assim qualquer aspecto do meu jogo, penso em não deixar nenhuma grande brecha em nenhuma situação. O faixa-preta que se torna um respeitado campeão de Jiu-Jitsu normalmente é aquele que erra o mínimo possível, que corre os riscos com sabedoria. Há outro tipo de lutador, o atleta que erra pouco mas que não se arrisca, mas esse dificilmente vence com regularidade. Acredito que o segredo é buscar ter uma guarda que permite arriscar no ponto certo. Não basta, porém, ser um grande guardeiro se ao passar você é raspado toda hora. Para atingir o ápice em nosso esporte é preciso chegar a esse equilíbrio. Mas eu ainda estou longe do meu ápice, estou buscando essa invulnerabilidade ainda nos mais diversos aspectos, não apenas na guarda mas também nas passagens e no controle de costas.
Ainda durante a faixa-branca ou azul, você treinava diferente? Por exemplo, buscava primeiro aprender a se defender ou a repor, para depois inserir bons ataques no seu arsenal?
Não, nas minhas faixas de base, em especial na branca e azul, eu jamais pensava de modo defensivo. Pelo contrário, eu não pensava em me defender, e sim em atacar primeiro. É que na verdade eu era muito mais passador de guarda do que raspador no início. E até hoje gosto mais de passar do que raspar. Aprendi com meu primeiro professor, Jeferson Adan, que o bom guardeiro é aquele que ataca, que deixa o oponente sempre temeroso de ser raspado e finalizado. É atacando que a gente revela nossa personalidade nos tatames. Foi só na faixa-preta, sinceramente, que comecei a lapidar aspectos mais defensivos do meu jogo de guarda. Até agora não tinha me preocupado muito com isso, queria era finalizar.
Qual é o maior erro que você detecta nos alunos iniciantes em relação à guarda?
Como a guarda é um atributo muito mais complexo do que as passagens, a maioria das falhas se deve mesmo à falta de experiência e tempo de treino. O bom guardeiro vai, aos poucos, aprendendo a encadear uma série de movimentos complexos de mentalizar, como dominar a manga, fazer a pegada na calça, usar bem a alavanca, soltar a pegada e ir para a seguinte etc. Já os conceitos da passagem de guarda acabam sendo mais simples de aprender, porque todo aluno entende mais rapidamente que basta tirar da frente as pernas do oponente e abraçar a cabeça para efetivar a passagem. É preciso então dar tempo ao tempo, fazer repetições. O importante é o aluno novo saber que todos os grandes campeões levaram muito tempo para saber fazer aquilo, assim como eu também levei.
Você aconselharia ao aluno treinar 50 raspagens diferentes ou saber cinco muito bem?
Eu sou um cara que particularmente gosto de treinar tudo, não me limito ao meu jogo de campeonatos. Na academia eu acho importante ser eclético, experimentar o máximo de técnicas, com o máximo de liberdade. Até porque com isso você aprende a arriscar e enfrentar situações que você não controla. E é arriscando nos treinamentos que você aprende a perder o medo do novo. Isso num campeonato é fundamental. Você pode ter um jogo linear no campeonato, usar apenas cinco posições, mas na academia deve tentar aprender 50.
O que um guardeiro perfeccionista como você busca ao treinar?
Eu aprendi com o meu professor, Mário Reis, a usar a minha cabeça como padrão. Então a meta é não deixar que o passador chegue muito próximo da minha cabeça. Se ele chegar perto, estou correndo riscos. “Não deixe ninguém tocar na sua cabeça”, diz o Mário. Gosto também de procurar entender as guardas novas que surgem. Quanto mais me aprofundo nos diferentes tipos de guarda, mais eu mergulho nos conceitos e aprendo sobre como funciona meu corpo, como devo movimentar meu quadril, o poder das pegadas, entre outros detalhes diferentes.
Você uma vez nos disse que não costuma montar estratégias ao lutar. Mas e ao treinar? Você cria objetivos a cada sessão de treino?
É, eu não monto estratégias em campeonatos. O que funciona para mim é deixar minha personalidade aflorar durante a luta. Mas tenho metas ao treinar, que o Mário traça para mim. Cabe a mim buscar durante os rolas decifrar como eu vou atingi-las. No fim das contas, o que faço é me atirar nelas de cabeça. Há treinos em que meu professor me pede para finalizar apenas de um modo, só no triângulo ou então só nas costas. Mas normalmente eu procuro mesmo é treinar solto ao máximo, o que ajuda a libertar minha criatividade. Um campeão, assim como qualquer ser humano, deve buscar agir com sua criatividade no ponto máximo.
Você está chegando agora na faixa-preta, mas já viu muita luta. Há alguma guarda hoje que esteja defasada no Jiu-Jitsu, na sua visão?
Não, não acho que nenhuma guarda antiga ou moderna esteja defasada. Todas são úteis, de uma forma ou de outra. Existem porém guardas que impedem o desenvolvimento das lutas, mas isso cabe aos árbitros punirem. Por exemplo, acho a guarda de lapela uma técnica válida mas que possibilita ao lutador não tão técnico envolver o oponente e vencê-lo. Há quem a use para finalizar e raspar, outros podem usá-la apenas para segurar o adversário e ganhar a luta. Mas acredito, também, que quando sentimos uma certa agonia ao enfrentar tais guardas é porque ainda não a domina totalmente, é preciso treinar mais contra tais tipos de guarda para decifrá-la.
Quando você joga passando a guarda, qual é a primeira coisa que procura fazer diante do guardeiro, Nicholas?
Gosto muito de passar guarda, e ainda acho que meu instinto mais forte é o de ser um passador. E é o que faço melhor, sem dúvida. Gosto de passar cruzando o joelho, de tourear, de passar emborcando e também de usar o legdrag. Mas sua pergunta depende muito a qual guardeiro estamos nos referindo – se ele gostar de fincar os pés no bíceps, eu procuro deixar uma das minhas mangas distante; se é um cara que curte berimbolo eu gosto de jogar posturado, quebrando mão em gola e matando o giro… O ideal é ler o oponente o mais rápido possível para se manter sempre à frente na luta e no treino. É isso o que um bom faixa-preta faz, acredito.