Exatos 130 anos antes de Conor McGregor nascer, um americano de sangue irlandês já sacudia o cenário de lutas nos EUA, e já era conhecido pelos fãs por um singelo apelido: “The Boston Strong Boy”.
Eram tempos do pugilato de mãos nuas, sem luvas, em que um boxeador chegava a lutar 75 assaltos para garantir um título mundial. Foi o que o peso pesado John L. Sullivan (1858–1918), o tal “garoto fortão de Boston”, precisou fazer em 1889 – numa época, aliás, que McGregor não era nome de lutador, e sim marca de bola de futebol.
Como se vê, vem de longe a história dos apelidos nas artes marciais. Ao pesquisar sobre o assunto, tratamos de conversar com uma dezena de especialistas e jornalistas, e as respostas foram bem parecidas: “Não faço ideia”. O que nos animou, então, a investigar mais o tema, pois desistir é para os fracos.
Apelidos são um modo universal e familiar de demonstrar intimidade e carinho, em todas as línguas. Normalmente, encurtamos ou repetimos uma sílaba do nome para formar uma alcunha, e assim mesmo um senador Robert é chamado de Bob nos EUA, um Roberto amigo vira Bebeto no Brasil e, mesmo na peculiar língua alemã, um doutor Friedrich pode virar Fritz, para os companheiros de chope.
As modalidades esportivas são recheadas de “nomes de guerra” marcantes, de “Money” a “Maguila”, e aí entra um outro aspecto: o fator promocional. Aquele velho empresário de boxe já entendia que “Boston Strong Boy” vendia mais ingressos do que John L. Sullivan, assim como Conor tratou rapidamente de popularizar o apelido “Notorious” para faturar um pouco mais no UFC.
No Brasil, em especial nas academias de luta, a multiplicação geométrica de apelidos parecem ter raízes um pouco diferentes: vão de um meio singelo de ajudar o mestre a identificar um entre dezenas de alunos até origens ligadas à ancestral capoeira, que cruzou seus caminhos com o Jiu-Jitsu nas primeiras lutas de vale-tudo.
O historiador Joel Rufino dos Santos, por exemplo, sugeria que a tradição brasileira de se colocar apelidos em atletas de futebol vinha provavelmente das rodas de capoeira. Na época em que a capoeiragem era vista como vadiagem ou crime, os praticantes usavam apelidos para esconder a verdadeira identidade dos bambas, que tinham outros empregos e ofícios quando não estavam treinando. Daí a origem da tradição que se mantém até hoje, de cada capoeira ganhar um apelido ao se formar. Segundo Rufino, com a entrada do negro no mundo do futebol – quando muitos clubes de várzea surgiram de grupos de capoeiristas – a profusão de apelidos também ganhou os gramados.
Nas academias de Jiu-Jitsu, portanto, o tal “nome de guerra” também pode ter ajudado lutadores com vidas duplas. Roberto Magalhães, por exemplo, campeão do primeiro Mundial de Jiu-Jitsu em 1996, era um respeitável engenheiro durante o dia; quando vestia o kimono, se transformava no famoso “Roleta”.
Seja como for, a invenção de apelidos marcantes segue sendo um charme do boxe e do Jiu-Jitsu, e é útil tanto para valorizar a “marca”, casos de “Notorious” ou “Money”, ou para fazer graça, como nos casos de “Buchecha” ou “Pé de Pano”. Na maioria das vezes, contudo, é uma soma da autoconfiança com bom humor, como no caso da lenda Muhammad Ali, para quem apenas um nome não foi suficiente: ele teve dois (nasceu Cassius Clay) e quando precisou de um apelido, criou ele mesmo um para si: “The Greatest”. Pouca marra?
De todo modo, um bom apelido nunca foi sinônimo inequívoco de sucesso nas artes marciais, mas no Jiu-Jitsu costuma dar sorte. Se você ainda duvida, vá perguntar a Preguiça, Pé de Pano, Cobrinha, Margarida, e Carcará; Comprido, Roleta, Cara de Sapato e Tererê; Buchecha e Jacaré.