Texto: Rafa Ribeiro
Por mais que os trabalhos estatísticos científicos mostrem que praticantes de atividades físicas têm menores probabilidades de terem sintomas graves da Covid-19, isso não é garantia de que você, praticante de Jiu-Jitsu, passe ileso. Os sintomas se manifestam de maneiras muitos diferentes em cada um. Eu mesmo tive sintomas bem fortes, com 50% do pulmão comprometidos, e tive que usar até uma máquina de oxigênio em casa, mesmo tendo histórico de atleta a vida toda. Alguns atletas de elite de outros esportes foram até entubados. Inclusive campeões de triátlon, um esporte em que os atletas são super treinados na parte de “cardio”.
Muita gente que pegou o Covid quer logo voltar aos treinos da mesma maneira que faziam antes de contraírem o vírus, mas isso pode ser um grande equívoco. Na verdade, essa volta depende muito dos sintomas que cada um teve. Vou trazer aqui algumas sugestões do que você pode fazer após ter pego o Covid.
Bom, primeiramente, aqui você precisa diferenciar o trabalho a ser feito para dois tipos de públicos:
1 – Para você que foi assintomático (sem sintomas), recomendo fazer uma semana de testes. No primeiro dia você treina bem leve e faz a aula toda de Jiu-Jitsu até a hora do sparring. Nessa etapa você só olha. Eu sei que é difícil ir pra academia e ficar sem “rolar”, mas é apenas um ou poucos dias. Se tudo correr bem, no segundo dia você repete a aula inteira e já faz um sparring (apenas 1 mesmo).
Caso se sinta bem, no terceiro dia, você pode aumentar para dois sparrings, mas com um tempo inteiro de rola ou dois de intervalo. Na parte de preparação física, faça 50% da carga e do volume (quantidade total de repetições da sessão ou da semana) de treino.
Ao final da semana, avalie como você está e decida se precisa de mais uma semana inteira nesse modelo, se dá para progredir mais 25% do que fez ou voltar para o nível normal. Lembre-se que apesar de ficar sem sintomas, você passou 14 dias parado completamente.
2 – Para você que teve sintomas, a estratégia de treinos para a sua volta vai depender de quão forte foram os seus sintomas. Recomendo que primeiro você vá a um cardiologista para fazer exames, pois a Covid pode gerar algumas alterações agudas (momentâneas) no seu coração.
Minha FCr (Frequência cardíaca de repouso), por exemplo, está cerca de 30% maior do que o normal
A minha VFC (variabilidade da frequência cardíaca) piorou em média 10-15%.
Portanto, seria bom você saber as respostas do seu coração quando você está fazendo esforço. Outro ponto importante é a perda das capacidades físicas: força, potência e principalmente o seu condicionamento aeróbico, o famoso cardio. Uma simples tarefa diária como tomar banho se tornou, para alguns, similar a um dia de treino forte no tatame. No meu caso, perdi exatamente 28% da potência nas pernas. Imagine minha dificuldade em retomar certas atividades simples do dia-a-dia.
É normal que um lutador num caso semelhante ao meu canse já no aquecimento, ao retornar aos treinos. Minha recomendação é fazer uma progressão dos treinos de 6 semanas. Nas primeiras duas semanas, você pode dar ênfase à parte aeróbica e dividir os treinos do dia em duas sessões de 20 a 30 minutos cada e sem fazer tiros. Caminhar, trote (corrida bem leve), bicicleta e natação são boas alternativas. Talvez um pouco de drill também.
Na terceira e quarta semana, você volta aos tatames e fica fora dos sparrings. Nesse período, pode também voltar com a preparação física e pensar em séries similares à fase inicial do treino anual, chamada de Adaptação Anatômica. Séries de dez repetições só com a barra ou com pouquíssimo peso. Tipo um “volta às aulas”.
Na quinta e sexta semanas, você já pode iniciar com os sparrings, mas com tempos menores, tipo 3 a 5 minutos, e com intervalos iguais ao tempo de luta. Na parte de preparação, pode já começar uma progressão de cargas e volume (quantidade de tempo de exposição à carga: repetições, séries e cadência).
A ideia é que ao entrar na sétima semana, você consiga fazer as aulas de tatame normalmente e iniciar uma periodização na preparação física. Uma outra possibilidade interessante: na semana 1, faça 40% do que você fazia (em cargas e volume). E a cada semana aumentar 10%.
Semana 1 : 40%
Semana 2 : 50%
Semana 3 : 60%
Semana 4 : 70%
Semana 5 : 80%
Semana 6 : 90%
Semana 7 : treino normal
Essa segunda possibilidade foi a que usei com o campeão Mahamed Aly e também comigo. Ela é mais recomendada a quem tem um bom a excelente condicionamento geral. Vejam na terceira imagem que, ao final da minha semana 3, recuperei 53% da potência que havia perdido nas pernas.
Ou seja, no momento em que escrevo este texto estou na metade das seis semanas e recuperei também a metade do que havia perdido! Nessa mesma foto, tem a marca de um dia antes do meu primeiro sintoma (14/05), o dia que voltei a treinar pós-covid (01/06) e o final da terceira semana (19/06).
Obviamente, todas essas sugestões são bem genéricas e, como todos sabem, sempre sugiro cada um tentar individualizar ao máximo os seus treinos. Para isso, é sempre bom contar com o trabalho de profissionais especializados, ainda mais diante da dupla crise que vivemos: a da pandemia e a da informação. É difícil saber em quem confiar hoje. Uns falam uma coisa, outros falam outra completamente diferente e ainda temos as “fake news”. Tudo isso envolto de uma conturbada situação política onde os interesses partidários e individuais se tornaram mais importantes do que a saúde da população. Então, se cuide, amigo leitor, procure informações de profissionais que você confia e tenha cautela na sua volta ao Jiu-Jitsu. Oss!
*Rafael Ribeiro é preparador esportivo de atletas amadores e profissionais, com foco em MEC (Modalidades Esportivas de Combate) e surfe. Ministra cursos de extensão e pós-graduação. Atualmente é responsável pela preparação esportiva dos atletas profissionais de Jiu-Jitsu Isaque Bahiense, Mahamed Aly, Márcio André, Pedro “Paquito” Ramalho e Hiago Gama. Também já treinou Michael Langhi e Renato Cardoso. Instagram: @rafaribeirojj
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