Rei absoluto do Mundial Sem Kimono e campeão peso e absoluto do ADCC 2019, Gordon Ryan recebeu uma série de cartas e perguntas de nossos leitores. Como não é de fugir, ele encarou todas de frente, e as respostas, publicadas na GRACIEMAG #264, em fevereiro de 2019, estão abaixo. Confira!
“Você diz que finalizar mais e mais nos campeonatos é o seu modo de atrair audiência para o Jiu-Jitsu. O trash-talk também funciona para buscar popularidade?”
GORDON RYAN: Claro, o trash-talk é uma parte disso, de ajudar o Jiu-Jitsu a ser um esporte popular entre os espectadores. Se você for espiar uma lista dos lutadores e artistas marciais mais bem-sucedidos, mais populares e mais lembrados, serão sempre os caras que provocavam e faziam trash-talk. Muhammed Ali, Mike Tyson, Conor McGregor… Você tem de ser excitante para o público de alguma maneira. Seja no ringue, cage, tatames ou mesmo fora da academia. Muita gente não tem as habilidades necessárias para levantar a plateia durante as competições, e tenta substituir o talento pela falação. Outros não têm a personalidade para provocar mas, mesmo calados, são competidores eletrizantes. Historicamente, porém, os lutadores que se eternizam são os que possuem ambas as habilidades. Provocar não é para todo mundo. Mas o motivo dos fãs gostarem de mim é que eu falo e faço, eu sustento o que digo. E o mais importante: eu falo muito porque eu acredito do fundo do coração que as coisas que digo são absolutamente verdades. E por isso eu tenho hoje os fãs mais leais no esporte.
“Como funciona sua mente durante uma luta de campeonato?”
Meu processo de raciocínio durante minhas lutas é bem simples. Eu normalmente começo devagar, e o motivo para isso é que estou simplesmente estudando meu adversário. Quero sentir logo como eles vão reagir a certas ações minhas. À medida que a luta avança, eu começo a entender o jogo deles e a fazer os ajustes necessários para alcançar uma posição de vantagem, de onde eu posso, por fim, controlá-los e finalizá-los.
“O que o motiva a acordar e treinar forte todos os dias?”
Motivação para mim é moleza. Eu nunca penso no curto prazo, não penso se estou cansado ou se estou ansioso por férias. Tudo para mim é em longo prazo, são meus objetivos para o futuro que contam. Onde eu quero estar quando eu fizer 30, 40, 50, 60 anos. Sou adepto ferrenho da mentalidade “dê tudo de si ou não dê nada”. Ou seja, ou eu vou investir 110% do meu esforço em direção a um objetivo ou nem vou me importar nada com aquilo. A última coisa que quero é chegar aos 38 anos cheio de conquistas mas passar embaraços frente à nova geração nas competições por não ter me dedicado totalmente aos treinos. Isto é, se em algum ponto da minha vida eu não me sentir motivado a treinar em tempo integral eu simplesmente vou me aposentar. Mas, até lá, vou treinar com a mesma fome que eu sempre tive, desde que era um faixa-marrom que ninguém conhecia.
Outro fator que me motiva é que estamos sempre melhorando alguma técnica nos treinamentos com John (Danaher). Não é chegar na academia e fazer as mesmas coisas todo dia sem melhorar, como ocorre muito. Isso sim é maçante. Nos nossos treinos, toda semana literalmente a gente sente a evolução maciça, e se eu rolasse com a minha versão de dois meses atrás não teria nem graça. Motivação então é isso: perceber que há sempre uma novidade para aprendermos, e há sempre lutadores da novíssima geração querendo fazer o nome em cima dos atuais campeões. É tudo do que preciso lembrar para sair da cama bem disposto.
“Ser campeão com kimono ou brilhar no UFC: qual é o seu sonho maior?”
No momento, meu foco ainda é vencer com kimono. Eu treino ativamente com o pano e para MMA todos os dias. Eu me divirto mais nos treinos de MMA, admito. E a luta de chão é apenas metade da luta nos ringues. Uma metade e tanto, claro. Mas apenas metade. Há algo sobre aprender a outra metade da luta (a parte de trocação) que realmente me interessa.
“O Keenan Cornelius disse, numa edição recente de GRACIEMAG (GM #262), que ele é o seu criador. Como a vitória contra ele catapultou seu nome no Jiu-Jitsu?”
(Risos) Foi. Finalizar Keenan pela primeira vez foi um passo monumental na minha carreira. Mas a vitória que deu o grande pontapé inicial na minha trajetória, ao meu ver, foi meses antes: no EBI 6 de 2016, em que finalizei o Yuri Simões e o Rustam Chsiev quando ninguém me conhecia. Mas concordo, vencer Keenan foi um grande passo para construir minha marca.
“Quem é o seu maior rival hoje? Felipe Preguiça?”
Meu maior rival hoje eu diria que é o Felipe, com certeza. Ele é a única pessoa que me venceu de fato por duas vezes na faixa-preta. Creio que na nossa primeira luta todas as tentativas de finalização foram praticamente minhas, durante os 40 minutos de disputa. Até que, claro, ele cravou aquela linda catada de costas quando eu tentava o ashi-garami. Na segunda luta, sinto que eu ditei o ritmo da luta 100%, até que ele obteve a mesma pegada de costas, com menos de dois minutos para o fim. Felipe provavelmente será o único cara competitivo contra mim sem o kimono. Ele é provavelmente um dos poucos caras que tem jogo para disputar comigo em qualquer regra, em qualquer formato de luta.
“Você crê que ainda tem brechas no seu jogo?”
Meu jogo com kimono certamente tem falhas. Há muito ainda a aprender em termos de pegadas, especialmente na parte em pé. No meu jogo sem pano tem brechas também, claro. Há sempre espaço para melhorarmos em tudo. Especialmente, como já disse, na minha parte em pé. Mas, sem o kimono, eu diria que tenho mais espaço para evoluir do que propriamente falhas. Já no MMA, por fim, eu hoje sou praticamente péssimo em tudo (risos).
“Que conceito do treinador John Danaher mudou sua vida no Jiu-Jitsu?”
Danaher enxerga o esporte de uma maneira completamente diferente do que qualquer outra pessoa. Todo mundo tem “seus movimentos favoritos”, onde colocam você em suas posições de ataque preferidas e usam seus movimentos/truques prediletos de lá. Mas, se você olhar para muitos desses faixas-pretas de nível mundial, depois que você os tira da zona de conforto e os coloca numa posição a que não estão acostumados, eles não sabem muito o que fazer. Então, toda abordagem de John em relação ao Jiu-Jitsu é baseado numa série de sistemas projetados para por esses caras em posições nas quais eles não estão acostumados – e que são as mesmas posições em que vivemos treinando diariamente. Com essa abordagem, fomos facilmente capazes de, em menos de cinco anos, superar atletas de nível mundial que já eram campeões na faixa-preta quando a gente nem treinava Jiu-Jitsu.
“O que você aprendeu durante a final do pesadíssimo contra o Roberto Cyborg no Mundial Sem Kimono, onde rolaram pegadas fortes e até tapas?”
Aprendi na final contra Cyborg que sou realmente o melhor nessa guerrilha psicológica. Consegui entrar na cabeça de um homem adulto, um lutador experiente, e o forcei a jogar fora uma das maiores medalhas da temporada. Isso é simplesmente incrível para mim. Ele é um faixa-preta que está nesse esporte praticamente desde que eu estou vivo, e o vimos sofrer um colapso mental legítimo, a ponto de ele ter de recorrer a suaves tapões em mim, em plena final de um Mundial faixa-preta. Eu acho fantástico (risos).
“O que você aprendeu na final do absoluto no Mundial Sem Kimono, contra o Yuri?”
A final com o Yuri foi meio decepcionante. Eu tinha vencido ele por 11 a 0 no início do dia, e já tinha lutado contra ele e o finalizado duas vezes antes disso, no EBI e no Kasai. Pensei portanto que seria capaz de finalizá-lo de novo. Mas ele conseguiu fazer alguns bons ajustes para travar melhor a luta nas finais. Se houve algo a aprender, foi que brasileiros ficam muito bravos quando os árbitros não lhes dão as vantagens e as exigências que fazem (risos). Se o Yuri tivesse vencido por vantagens todos os “haters” da internet diriam eu sou uma porcaria. Mas quando eu obtive minha vantagem todos os brasileiros no torneio estavam chorando que os árbitros roubaram o Yuri. Eu pergunto: quando na história dos campeonatos um juiz roubou para um americano contra um brasileiro? Literalmente nunca. Talvez eu tenha apenas vencido aquela luta? Será possível aceitar que um gringo é mesmo bom nesse esporte?