Por: Rickson Moraes*
O Jiu-Jitsu foi inicialmente concebido e aprimorado pela família Gracie como técnica de luta voltada para a defesa pessoal. A essência desta arte consiste em propiciar, a um praticante fisicamente menos privilegiado, condições para subjugar oponentes muito mais fortes sem sofrer ou causar lesões mais sérias. Para esta finalidade, utilizam-se princípios mecânicos e de alavancas que possibilitam uma melhor otimização e aproveitamento da força gerada por este praticante. A arte suave, portanto, se baseia em movimentos e transições realizados com o menor gasto energético e com a maior eficiência possível.
A realidade atual, em muitas academias, é bem diferente da vivenciada pelos lutadores mais antigos, pois muitos praticam o chamado Jiu-Jitsu esportivo, onde não são permitidos ou utilizados golpes considerados mais perigosos, como bate-estaca, socos e chutes. Sendo assim, são pequenas as chances de ocorrerem lesões por trauma direto, como alguns tipos de fraturas ou lesões corto-contusas. As lesões mais frequentemente associadas à prática do Jiu-Jitsu hoje são as musculares e as associadas a traumas torcionais, como as entorses e luxações sendo frequente o acometimento dos joelhos, ombros e mãos).
É importante salientar, no entanto, que quanto maior a graduação e conhecimento técnico dos atletas, maior a capacidade dos mesmos de evitar situações que possam aumentar as chances de contusões. Está justamente aí o “calcanhar de Aquiles” de muitos desportistas que estão fazendo a transição do Jiu-Jitsu para o MMA. Por maior que seja o nível técnico apresentado pelo atleta de Jiu-Jitsu esportivo, a maioria não está acostumada a treinar pensando em evitar socos, chutes ou joelhadas, técnicas estas muito presentes na artes marciais mistas.
Na prática médica diária, torna-se nítido o quanto esse despreparo é determinante para o aumento do número de lesões em lutadores de MMA. O pensamento de que o lutador de Jiu-Jitsu deve focar apenas no aprendizado de sua arte mãe até seria justificado se todos os atletas tivessem passado pela base do Jiu-Jitsu voltado para a defesa pessoal. Lesões como fraturas nas mãos, face e em diversas outras localizações são muito mais frequentes em atletas com pouco conhecimento de técnicas de defesa destes golpes mais traumáticos.
Alguns trabalhos científicos acabam mostrando isso, pois evidenciam que elas são mais frequentes nos atletas que perderam uma luta do que nos que sagraram-se vencedores. Isso nos faz concluir que uma maneira muito eficaz de prevenir contusões é preparar tecnicamente esses atletas nas lutas de trocação, aumentando as chances de sagrarem-se vencedores e sofrendo o mínimo de golpes possível. Ao migrarem para o MMA, aprendendo as técnicas básicas de ataque e defesa de esportes como o boxe, muay thai e karatê, há naturalmente um declínio na incidência de tais lesões.
Felizmente constatamos que nossos campeões da arte suave estão cada vez mais preocupados com esta aprendizagem, como é o caso recente dos multicampeões Rodolfo Vieira, Gabi Garcia, Mackenzie Dern e Marcus Buchecha, entre outros. Talvez o exemplo mais emblemático de transição adequada seja o do atleta meio-médio do UFC Demian Maia, que vem mostrando a eficácia da arte suave frente aos demais oponentes, praticando um Jiu-Jitsu quase puro, utilizando seus conhecimentos de boxe apenas para não se expor a golpes traumáticos e sofrendo mínimo dano.
Outra medida muito eficaz é a utilização de equipamentos de proteção durante os treinos de sparring, como luvas mais grossas (para treinos) e caneleiras, pois protegem o atleta e minimizam a ocorrência destas lesões. Não se pode deixar de falar também sobre a importância de o atleta contar com uma equipe multidisciplinar de saúde, composta por fisioterapeutas, nutricionistas e médicos, que trabalhe de forma integrada às academias e centros de treinamento, aos preparadores físicos e técnicos, pois esta sinergia comprovadamente está associada à redução na incidência e a um adequado tratamento das lesões. Bons treinos.
* Dr. Rickson Moraes é médico do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO),
ortopedista com atuação na área de Cirurgia do Ombro e Traumatologia Desportiva
e faixa-preta de Jiu-Jitsu pela Gracie Humaitá Iate/Team Moraes.