Faixa-preta campeão pan-americano no último fim de semana, no dia 19 de março em Irvine, o craque João Gabriel Rocha (Soul Fighters) começa a voltar à velha forma.
O peso pesadíssimo formado por Leandro “Tatu” Escobar e Rafael Formiga distribuiu finalizações e boas técnicas ao conquistar o ouro na categoria, vencendo Gustavo Dias na final com um estrangulamento, e ainda ao beliscar a medalha de prata no absoluto do Pan, parando apenas no campeão Leandro Lo.
Uma volta por cima e tanto para o jovem de 25 anos, que em 2014 teve de largar o kimono no armário enquanto combatia um oponente bem mais perigoso e desleal: um câncer.
Em entrevista recente publicada com exclusividade nas páginas de GRACIEMAG, João Gabriel comentou como sua mente de faixa-preta, de lutador acostumado a disputar torneios da CBJJ desde criança, foi importante para combater a doença. Nossa equipe perguntou:
GRACIEMAG: Nesses 20 anos de competição, o câncer foi seu adversário mais desleal. Como o Jiu-Jitsu ajudou você a se defender da doença?
JOÃO GABRIEL ROCHA: Foi complicado. Quando operei para retirar o tumor eu nem sabia o que tinha. E depois foi aquele susto ao descobrir. Ficar sem poder treinar, sem competir e ainda ler a GRACIEMAG e ver que eu não estava lá na revista, em especial na edição do Mundial de Jiu-Jitsu, foram momentos complicados. Mas nada foi pior do que ver meus pais arrasados, mal mesmo, deixando tudo de lado para ficar do meu lado. Eu via os dois sofrendo e passava então a disfarçar as dores e incômodos, para eles não ficarem ainda piores. Acho que isso é um aspecto comum no Jiu-Jitsu, conseguir manter o rosto impassível e disfarçar para os adversários que você está passando o maior sufoco. Depois, o pior disparado foram os dois meses de quimioterapia. Eram três litros de químio injetados nas minhas veias diariamente, e eu sentia meu corpo inteiro queimar por dentro. Encarei cada ciclo, cada sessão, como uma luta até a medalha de ouro, e o sofrimento como se fossem aqueles últimos dez segundos de luta, em que eu precisava suportar tudo, dar mais um gás sinistro para vencer. Tinha certeza de que eu venceria a doença. Jamais a ideia da morte me abalou, na minha cabeça só passavam os próximos planos no Jiu-Jitsu, como e quando retomaria os treinos, em que campeonato voltaria a competir. Mantive a cabeça muito boa, com o auxílio do Jiu-Jitsu.
E a recuperação?
Foi muito rápida. Minha médica previu que eu demoraria uns seis meses para me sentir em forma de novo. Mas em um mês meu cabelo voltou, perdi uns oito quilos e voltei a treinar. Tudo tem um lado bom. A sensação de poder respirar normalmente, de me sentir vivo novamente é inexplicável. Passei a dar extremo valor a pequenas coisas que eu nem notava que existiam ao meu redor. Na minha cabeça só passava treinar e ser campeão mundial. Agora percebo que a vida é muito mais que isso. Amadureci muito, eu sinto.
O que você aprendeu sobre o Jiu-Jitsu a partir dessas dificuldades?
Eu nunca soube antes o que era uma vida sem o Jiu-Jitsu, afinal comecei a treinar com 2 anos. Não lembro nada das minhas primeiras lutas, já que eu tinha 4 anos. E então tive agora esse aprendizado, de passar um ano sem poder treinar. Aprendi a ver o sofrimento dos competidores durante aquela maratona, a perceber como há professores que nunca venceram um Mundial mas ajudam centenas de crianças, que existem torcedores que sofrem, que xingam, ou seja, que existe um mundo de pessoas que vibram ao redor do Jiu-Jitsu. Antes eu só prestava atenção nos meus oponentes. Outro aspecto que me ajudou é que, graças a essa parada, pude treinar posições sem ter um campeonato no horizonte. Então testei posições novas, guardas modernas, jogos que complicam os oponentes. Não pretendo usar nenhuma dessas técnicas, quero continuar com o meu jogo de buscar derrubar, montar e finalizar, sem pensar em pontos, mas consegui en tender melhor a mecânica de algumas novas posições, e agora tenho mais possibilidades de desarmar os oponentes. Afinal, saber defender é saber desarmar os rivais.
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