Após o casamento confirmado de Cris Cyborg e Amanda Nunes para o UFC 232, no dia 29 de dezembro, resgatamos nos arquivos a análise do nosso Mauro Ellovitch sobre a busca incessantes das mulheres guerreiras da luta pelo seu espaço no UFC.
Confira abaixo o conteúdo publicado originalmente nas páginas da GRACIEMAG número #248, de outubro de 2017, e para ter acesso a outros artigos especiais sobre o melhor do Jiu-Jitsu e do MMA, assine a nossa edição digital!
Semana passada, eu não resisti a comprar para minha filha de 4 anos uma camiseta com os dizeres: “Eu não sou só uma princesa, sou uma Khaleesi.” Quem acompanha a série “Game of Thrones” sabe que Khaleesi é como é chamada Daenerys Targaryen quando ela se torna a rainha guerreira do povo Dothraki. A Khaleesi se torna uma das mais importantes e poderosas personagens da série, vencendo seus oponentes com liderança e determinação. Isso tem tudo a ver com a personalidade da minha filha, que não se contenta em ser uma mera princesa indefesa e quer ser uma guerreira corajosa.
Atualmente, a cultura pop atualmente vem dando o merecido destaque para as boas personagens femininas. Neste ano, além da Khaleesi, temos a Lorraine de “Atômica” (ótimo filme de ação e espionagem estrelado por Charlize Theron) e a Rey de “Star Wars – episódio VIII”, além do fenômeno de bilheteria “Mulher Maravilha”. Isso reflete perfeitamente o perfil das mulheres atuais e das leitoras da NOCAUTE: elas querem ser Mulheres Maravilhas que enfrentam seus desafios com força e coragem, sem perder a feminilidade. Como as estrelas do MMA, aliás.
Num momento como este, nada mais justo que os dois únicos atuais cinturões brasileiros do UFC pertençam a mulheres. Num esporte dominado pela testosterona, especialmente em um país ainda discriminatório como é o Brasil, a consagração de Cris “Cyborg” Justino e de Amanda “Leoa” Nunes deveria ser um feito muito celebrado pelo público e pela imprensa. Infelizmente não é.
O que ainda falta para Amanda Nunes superar a desconfiança dos fãs? Lutando no UFC desde 2013, a “Leoa” venceu com autoridade Ronda Rousey e Miesha Tate, as duas lutadoras mais emblemáticas da história do evento. Se Rousey foi a responsável pelo reconhecimento e solidificação do MMA feminino, Amanda é o próximo passo na evolução. Ronda foi o grande ícone, uma desbravadora para as mulheres no esporte, assim como Royce Gracie havia sido para os homens no começo da década de 1990. Ambos utilizavam com maestria seu jogo de solo para finalizar oponentes que ainda não tinham o antídoto para combatê-los.
Com o amadurecimento do esporte e o aprimoramento de atletas em todos os aspectos do jogo, passamos a uma nova fase do esporte. Amanda ostenta mãos pesadas, boas defesas de queda, movimentação inteligente no solo e finalizações precisas quando surgem as oportunidades. Além de gana e destemor que a fazem rugir para cima de suas adversárias. Foi assim que acertou golpes fulminantes em Miesha Tate até abrir espaço para uma finalização no antológico UFC 200. Foi assim que Amanda defendeu seu título e frustrou o retorno de Ronda Rousey, pulverizando-a em 48 segundos no UFC 207. Se o condicionamento físico era seu ponto fraco, Nunes mostrou estar se aprimorando ao vencer a dura Valentina Shevchenko após 25 minutos de luta parelha no UFC 215. Está mais do que na hora de coroarmos e reverenciarmos a “Leoa” como a rainha dessa selva.
Já a curitibana Cris Cyborg é reconhecida como uma força dominante do MMA desde 2005. Após ser derrotada por finalização em sua estreia (muito em razão de sua inexperiência na luta de solo adaptada para o MMA), Cris nunca mais perdeu, e passou a aniquilar suas oponentes. Foram 18 vitórias consecutivas, sendo 16 delas por nocaute.
Cyborg já era exaltada como a melhor lutadora de MMA do mundo entre os fanáticos do esporte, mas ainda não lhe havia sido dada oportunidade no UFC (consagrou-se principalmente nos eventos Elite XC, Strikeforce e Invicta). Apesar das bravatas de Ronda Rousey, Dana White fez de tudo para proteger sua estrela e evitar colocá-la no octógono contra a brasileira. Tinha medo de que Cris fizesse com ela o que fez com Gina Carano, a primeira grande musa do MMA feminino. Sorte de Ronda, que poupou-se de uma surra tremenda.
Com a derrocada de Ronda, o UFC precisava de um novo ícone dominante para o MMA feminino. Com muita relutância, pouco a pouco, foram dando espaço a Cris e ela não decepcionou. No UFC 198, lutando em casa, a ex-mulher de Evangelista Cyborg foi talvez a pessoa mais ovacionada da noite ao nocautear Leslie Smith. Encabeçando o UFC Fight Night de Brasília, arrasou a oponente Lina Landsberg. Não havia mais volta: era preciso criar uma categoria peso-pena feminino para que a demolidora de rivais pudesse brilhar adequadamente. Venceu sua primeira disputa sem nem entrar no octógono: Germaine de Randamie preferiu abdicar do cinturão a ter que encarar os punhos biônicos da Cyborg. No UFC 214, Cristiane Justino finalmente recebeu seu tão merecido cinturão ao dominar completamente a resistente Tonya Evinger.
O UFC precisa urgentemente se dar conta do verdadeiro potencial de Cris Cyborg e explorá-la mais. Ela hoje é o Mike Tyson do MMA: ao mesmo tempo carismática e brutal. Com a devida promoção, o público vai sim encher arenas para vê-la lutar e apostar em quantos minutos a brasileira levará para destruir suas rivais. Como diz o bordão: “É disso que o povo gosta!”
A verdade é que Amanda Nunes e Cris Justino vão continuar lutando não somente contra suas adversárias, mas também pelo reconhecimento, respeito e admiração do público. E, como verdadeiras Mulheres Maravilhas, elas não aceitarão que ninguém as diga que não conseguirão.
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