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As lições de Rolls Gracie, o faixa-preta que morreu jovem e mudou a história do Jiu-Jitsu

Rolls Gracie em demonstração de Jiu-Jitsu e defesa pessoal com seu aluno Maurição Gomes, hoje faixa-coral e paizão da fera Roger Gracie. Foto: Portal Rollsgracie.com

Rolls Gracie em demonstração de Jiu-Jitsu e defesa pessoal com seu aluno Maurição Gomes, hoje faixa-coral e paizão da fera Roger Gracie. Foto: Portal Rollsgracie.com

Era um fim de semana sem vento em Visconde de Mauá, região conhecida pela exuberância de vales e cachoeiras, no Rio de Janeiro. Não se viam asas-deltas no céu, mesmo assim, Rolls insistiu em voar. “Campeão, levanta a asa para eu regular o sarcófago”, disse ao amigo Luis Fernando, que, meio contrariado, atendeu ao pedido.

Luis ainda traz na memória os detalhes da cena: “Rolls fez todos os ajustes e correu para pular. A asa subiu um pouco para a direita, mas rapidamente embicou para a esquerda e caiu. Todos entraram em pânico. Saí correndo, descendo a ladeira, agarrando-me no mato alto. Quando me aproximei da asa, os olhos azuis do Rolls estavam abertos, apontando para cima à direita. Os braços estavam rígidos, como se lutasse para a asa subir. Parecia intacto, mas já estava morto”.

O acidente aconteceu no dia 6 de junho de 1982. Filho de Carlos criado por Helio Gracie, Rolls tinha 31 anos. Deixou mulher e dois filhos. Já naquela época, sabia-se que ele deixava também um valioso legado. No entanto, era cedo demais para se mensurar o quão valioso.

Hoje, com o distanciamento de 35 anos, o patrimônio herdado pela comunidade do Jiu-Jitsu ganha maior nitidez e impressiona pela grandeza. Veja, por exemplo, os campeonatos que lotam ginásios por todos os continentes.

“Foi espelhado no estímulo que o Rolls dava às competições que fundei a Confederação Brasileira de Jiu-Jitsu e, em seguida, a Federação Internacional de Jiu-Jitsu Brasileiro”, reconhece Carlos Gracie Jr.

O que dizer então da efervescência e do profissionalismo das academias? Tanto a Gracie Barra, como também a Alliance (que geraram diversas outras academias de prestígio no cenário mundial) foram criadas por discípulos diretos de Rolls.

Romero Jacaré, fundador da Alliance, sempre se refere ao Gracie com olhos lacrimejantes. “Ele é a razão de todo o nosso trabalho”, garante.

Também existem aspectos culturais e filosóficos no legado de Rolls. “Conheço diversas pessoas que, por causa dele, trocaram as drogas pelo culto à saúde”, conta Álvaro Romano, professor da Ginástica Natural.

Quando GRACIEMAG lançou em 2009 uma edição especial sobre “O estilo de vida do lutador de Jiu-Jitsu”, foi a biografia de Rolls que guiou a reportagem do começo ao fim. Na ocasião, escrevemos sobre tópicos como:

“Não sacrifique suas refeições, nem o seu sono”;

“Preserve o ambiente familiar”;

“Estimule hábitos saudáveis aos próximos”;

“Busque malhação ao ar livre”;

“Viaje o máximo possível”;

“Experimente a sensação de liberdade”;

“Amizade, o bem número 1”;

“Consuma cultura”;

“Você que critica, onde estava na hora de fazer?”

Rolls Gracie vibra ao vencer mais um campeonato de Jiu-Jitsu. Foto: RollsGracie.com

Rolls Gracie vibra ao vencer mais um campeonato de Jiu-Jitsu. Foto: RollsGracie.com

O primeiro tópico daquela reportagem, porém, era o que mais nos intrigava: “Hoje é um belo dia para morrer!”, escrevemos. “Todo samurai repete este pensamento ao acordar. Dê o melhor de si para não acontecer. Mas, se você está preparado para o pior, a vida fica fácil”.

Reavaliando aquele tópico, talvez tenhamos cometido um erro. De fato, Rolls estava preparado para enfrentar o mais tenebroso adversário num ringue – o primor técnico também faz parte da herança do Gracie. Foi ele quem começou a pesquisar outras modalidades de luta, adaptando conceitos “externos” para o Jiu-Jitsu. Praticava sambô, judô, wrestling… Sem contar esportes de outras
naturezas, como ginástica olímpica, surfe, corrida, natação.

Rolls absorveu o melhor da técnica de seus antepassados e se consagrou como o grande campeão da família Gracie na década de 1970. Morreu, no entanto, desafiando algo trivial: a lei da gravidade. Aí está o suposto erro daquele tópico. Estar preparado para o pior não basta. Devemos nos preparar para tudo, inclusive para aquilo que não alimenta o nosso medo. Adversários banais, portanto subestimados, atacam quando menos esperamos. Às vezes, são esses ataques que roubam a nossa vida.

Você acaba de ler a primeira lição que identificamos ao investigar o legado do mitológico Rolls Gracie. Listamos outros cinco aprendizados a seguir. Leia, reflita e faça bom proveito!

1. Não se feche

Rolls cresceu na ebulição dos anos 1960. Foi jovem na “Época dos jovens”. É uma diferença e tanto se o compararmos aos grandes campeões que o antecederam na família Gracie, os quais estavam ligados a gerações de costumes mais conservadores, oriundas de um tempo em que a palavra “adolescência” ainda era um conceito pouco aplicado. Rolls se permitiu entrar em contato com o mundo que se transformava lá fora. Respeitou o melhor das tradições de sua família e da arte marcial que representava, porém, soube absorver as virtudes da modernidade e as retransmitiu.

Por mais que essa adaptação aos novos tempos pareça ser um movimento natural e lógico, não é bem assim que funciona para todo mundo. Pelo contrário. Não são poucos os que criam resistências intransponíveis a novidades, os que se fecham a experimentos, enfim, os que “param no tempo”. Rolls tinha mente aberta. Talvez isso ajude a entender o “grande feito” que muitos faixas-pretas atribuem a ele: “Rolls modernizou o Jiu-Jitsu”, garantem.

Sim, o Gracie estimulou campeonatos em formatos diferentes (na década de 1970 ele já filmava as competições para estudar os combates com os alunos na academia), praticou outras modalidades de luta, associou o Jiu-Jitsu a esportes radicais (vale lembrar que esportes radicais naquela época não tinham o mesmo apelo que têm hoje), disseminou novas técnicas e novas formas de lutar, viajou pelo mundo (sua mãe era funcionária da Lufthansa, o que representava ótimas oportunidades para conhecer culturas diferentes), adaptou a linguagem de dentro da academia à linguagem da juventude que então florescia, comunicando-se assim com todos os nichos de sua geração.

Fez isso tudo contendo o formalismo dos adultos e dando asas à liberdade de menino que pulsava dentro de si. Em vez de simplesmente repetir, Rolls renovou.

2. Imponha o ritmo

Muito da magia do Jiu-Jitsu se deve à demonstração de que homens franzinos (os “galinhas mortas”, como dizia grande mestre Helio Gracie) podem derrotar adversários de maior peso e envergadura. Como ensinam os decanos da arte suave, a técnica das alavancas permite que o “fraco” se defenda sem cansar. O adversário então gasta força e energia tentando ataques em vão.Com o tempo, é facilmente finalizado.

Rolls tinha medidas de um homem franzino, nunca passou dos 70 quilos. Mas curiosamente ele tinha um estilo de lutar que era mais ofensivo que defensivo, sempre com muita mobilidade. Rolls não queria esperar pelo cansaço do oponente. Buscava a queda. Se caísse por baixo, rasparia, agarraria nas pernas, iria pra cima… Era um lutador à procura de finalizações rápidas e mantinha isso como meta.

Rolls queria impor o ritmo, estivesse onde estivesse. Exaltava um estilo de avanço progressivo, seja em pé, por cima ou por baixo.

3. Carisma é atitude

O talento e o espírito competitivo de Rolls poderiam ter causado muita inveja e inimizades naqueles tempos. No entanto, o Gracie é lembrado como um boa-praça inconteste. Na família, assim como o pai, Carlos Gracie, era visto como um conciliador. Entre alunos e amigos, tinha o papel de liderança, mas não a liderança de um déspota, e sim a do guia que sabe ouvir, incentivar, ensinar e aprender. Rolls adorava crianças. “Às vezes tocava o telefone e era ele me chamando para ir ao cinema”, recorda Royler Gracie, que na época tinha por volta de 10 anos.

Sempre sorridente, dono de cativantes olhos azuis, Rolls parecia dominar a oratória e o emprego das palavras certas. “Certa vez, eu havia lutado seis vezes numa competição, estava cansado, sentei num canto, desanimado, e reclamei: ‘Tô morto’. Ele bateu no meu ombro e falou bem alto: ‘É, campeão, vitória sem sacrifício não vale nada’. Aquilo me acordou e acabei vencendo as lutas seguintes”, recorda o irmão Rilion.

“Quando Rolls morreu, eu deixei de competir. Hoje vejo a importância que ele tinha no meu estímulo, pois na verdade eu não lutava por mim, e sim por ele”, lembra Carlos Gracie Jr. Sempre ligado à natureza, Rolls levava os alunos para uma corrida descontraída e inspiradora nas Paineiras às segundas-feiras. Foi acompanhando e incentivando permanentemente seu grupo que o Gracie multiplicou os alunos. Os treinos não se resumiam à parte técnica.

Era muito importante o lado filosófico da arte marcial. Rolls não era apenas “popular” em sua época, ele era enturmado. Relacionava-se com formadores de opinião de diferentes setores da sociedade carioca da década de 1970. Não era uma questão de carisma. Isso era consequência. O mito Rolls Gracie se formou à base de uma mistura de bom coração e muita atitude.

Rolls Gracie com os filhos Rolles e Igor. Foto: Acervo RollsGracie.com

Rolls Gracie com os filhos Rolles e Igor: ele foi o “dono do maior coração da família”, segundo Helio Gracie. Foto: Acervo RollsGracie.com

4. Viva intensamente

“Numa sexta à noite ele se questionava: ‘Não sei se vou para Búzios, Teresópolis ou Nova York…’. E o pior que a dúvida existia realmente, não era tiração de onda”, lembra o amigo Ricardo Azoury. Em cerca de 30 anos de vida, Rolls competiu, ensinou, treinou, malhou, surfou, voou, viajou, montou a cavalo, casou, teve filhos, dedicou tempo à família e aos amigos, estudou, aprendeu, amou, e enriqueceu o Jiu-Jitsu. Deixou um legado. Fez isso tudo da forma mais intensa possível.

O interessante é que ele conseguia conciliar a fome de viver à rigorosa disciplina de alguns hábitos, como dormir oito horas por dia e se alimentar de acordo com as regras da Dieta Gracie. Era um exímio gerenciador de tempo. Soube aproveitar suas três décadas de vida melhor que muitas pessoas que chegam aos 80.

5. Desafie-se

Dono de um incansável espírito aventureiro, Rolls não se acomodava em zonas de conforto. Por isso estava sempre se desafiando. Se não havia mais adversários nos campeonatos de Jiu-Jitsu, ele buscava uma outra modalidade de luta. “Eu era garoto, e alguém chegou na academia dizendo que tinha um campeonato de karatê no fim de semana”, lembra Royler. “Rolls respondeu: ‘ Então inscreve a gente lá’. Não entendi nada, ele era assim, topava qualquer parada”.

Ao se expor constantemente a uma provação, Rolls alcançou uma incrível evolução pessoal. “A persistência fez dele um fenômeno”, avaliou o irmão Carlson. O faixa-vermelha Osvaldo Alves completa: “Quem disser que tinha alguém próximo ao nível dele não está sendo justo. Rolls estava 30 anos na frente de qualquer um”. Grande mestre Robson Gracie garante: “O Rolls foi o melhor do Jiu-Jitsu que já houve”. Já o saudoso mestre Helio definiu: “Rolls tinha o maior coração de todos os Gracie que conheci”.

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