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Aposentadoria, treinos e Jiu-Jitsu: por dentro da mente de Vitor Belfort

Vitor Belfort quer fazer mais uma saideira no Brasil para depois pendurar as luvas. Foto de Josh Hedges.

Vitor Belfort quer fazer mais uma saideira no Brasil para depois pendurar as luvas. Foto de Josh Hedges.

Ao longo desses 20 anos de carreira, Vitor Belfort concedeu inúmeras entrevistas aos veículos de GRACIEMAG. Numa das mais recentes, o experiente faixa-preta de Carlson Gracie abriu sua casa e seu coração para um papo aberto com o repórter Nalty Junior sobre suas visões de mundo e pontos de vista como lutador.

Depois de mais uma derrota no UFC, no evento de Fortaleza no último dias 11 de março, para o jovem Kelvin Gastelum, de 25 anos, o velho leão enfim flerta com a ideia de aposentadoria – foi a terceira derrota seguida por nocaute técnico do Fenômeno, que começou a carreira no UFC de forma fulminante, em 1997, e ajudou muito o vale-tudo e o MMA a ganhar popularidade no Brasil.

Enquanto Vitor estuda qual deve ser sua próxima luta no UFC, talvez sua última na carreira antes de ir para casa cuidar dos filhos, relembramos algumas reflexões de Belfort sobre ser lutador de MMA, como treinar, como buscar ser um artista marcial e, claro, sobre a dura decisão de pendurar as luvas para sempre.

GRACIEMAG: Que lição você aprendeu após tantos anos no MMA?

VITOR BELFORT: A principal lição ao meu ver é que tudo passa. É importante a gente saber escolher bem as pessoas que estão do nosso lado. Afinal, a fama é passageira. Quando você está no topo todo mundo quer estar em contato, quer participar, e eu acho que isso pode ser uma grande armadilha. O sucesso é saber separar quem são essas pessoas, saber filtrar o assédio, e não é fácil. Só quem já passou por isso sabe como é. Já o principal erro que aprendi foi muitas vezes ter adiado a solução para um problema. Problemas precisam ser solucionados na hora.

Como tem sido ganhar a vida como lutador profissional de MMA?

Hoje é tudo mais fácil. Mas foi muito difícil no início, houve muitos erros. Graças aos pioneiros, como Royce, Marco Ruas, os Gracie, eu e outros, conseguimos ajudar o esporte a crescer e chegar aonde está hoje. A gente foi aprendendo aos poucos. O importante é que não esqueçamos das lendas do esporte. A gente não vê ninguém mais falar do Marco Ruas, do próprio Royce. É preciso saber valorizar o passado, analisar o presente e saber plantar para o futuro, porque a vida é feita desses três aspectos: o passado é sempre algo que traz experiências mas traz junto erros e condenações, então o passado é um cheque cancelado. O importante é o hoje, que é o dinheiro na mão. Já o futuro, que você vai colher amanhã se plantar hoje, é um cheque pré-datado.

Na virada do século você alimentou o sonho de disputar as Olimpíadas pelo Brasil no boxe. Ficou a frustração por isso não ter ocorrido?

Não, isso passou. Pintou a oportunidade naquela época, mas foi um teste, foi isso.

Como funciona a sua mente durante os treinos de MMA?

Eu quando treino muitas vezes me sinto um faixa-branca, um iniciante no Jiu-Jitsu, um amador no boxe, me sinto um aprendiz sempre. O segredo é não se acomodar, você tem de estar sempre pensando para a frente, aprendendo novos aspectos para ser um bom lutador.

Você treinou em diversas academias, num intercâmbio que no passado era visto como “creontar”. O que essa troca de informações ajudou na sua carreira?

Eu acho que para o esporte evoluir as pessoas devem dividir conhecimento. Aprender umas com as outras, porque ninguém sabe tanto que não pode aprender nem sabe tão pouco que não pode ensinar. A grande questão sobre esse assunto não é encarar pelo lado da fidelidade, como era visto antigamente, mas as pessoas encararem como trabalho, como aprendizado, como modo de crescer como artista marcial. Com humildade, as pessoas perceberam que não sabem tudo e que outros podem ensinar também. Você tem de treinar onde se sente feliz.

Você imagina o seu filho Davi lutando MMA um dia?

Certamente, e eu o apoiaria. Mas é preciso entender que o Davi vai escrever a história particular dele, aqui em casa eu deixo todo mundo muito à vontade para cada um ter o seu futuro e escolher aquilo que quer na vida. Conheço muitas pessoas que são fracassadas na vida pessoal porque não conquistaram aquilo que eles desejavam – perseguiram os sonhos dos pais. E não é questão de sucesso financeiro, afinal o dinheiro já mostrou que não é a raiz da felicidade. Mas o Davi brinca comigo: “Pai, eu quero ser jogador de futebol americano!”. Então sou o maior incentivador, jogo bola com ele, corro com ele…

Que conselhos você daria a jovens lutadores? Qual é o segredo para ser um bom lutador de Jiu-Jitsu ou MMA?

Se conselho fosse bom ninguém dava, vendia, não é? Não tem segredo, é treinar, treinar, treinar, treinar e treinar. Como diz o meu amigo Bernardinho: ”Quanto mais a gente sangra e sua no dia a dia, menos a gente sangra na batalha”. Mas o mais difícil é você conseguir fazer o treinamento certo, de forma apropriada e sem perder o ritmo.

O que você pensa em fazer quando se aposentar?

Negócios que envolvem esporte, que envolvem o MMA. Gosto muito de fazer negócios, gosto de poder criar e participar de novos negócios. Seria legal implementar novos modo de levar tudo aquilo que eu tive de experiência nos ringues para os fãs, para a nova safra de lutadores. Aquilo que Deus estiver preparando para mim é o que eu vou fazer, satisfeito. O importante é fazer o que a gente gosta, o que a gente tem prazer.

Você começou a lutar muito cedo… Já imaginou sua vida sem as luvas?

Comecei muito pequeno, lutei judô quando eu tinha 6 anos. Depois foi a vez do Jiu-Jitsu, e desde os 13 anos de idade eu já sonhava em ser um lutador, inspirado pelos faixas-pretas que eu acompanhava no Leblon. Acho que quando a gente está começando alguma coisa, não imagina que aquilo acaba. Eu não pensava que um dia teria de parar de lutar. Quando falava em aposentadoria, achava que aquilo estava longe. Mas vida de atleta é assim, uns param cedo, outros param tarde, outros se recusam a parar. O importante é você tomar sua decisão baseada no que você quer dentro de si, e não no que os outros pensam, seja o público ou os empresários. Felicidade na carreira é poder tomar esta decisão de coração aberto, agradando a si.

Você se tornou um lutador de MMA muito completo, derrubando com o boxe e dominando o oponente no chão com o Jiu-Jitsu. Acha que o fato de ter treinado Jiu-Jitsu desde cedo ajudou no seu boxe de algum modo?

Certamente. O lutador se faz com uma boa combinação das artes marciais. A junção das diferentes modalidades é o mais importante no MMA, e saber o momento exato de fazer essa junção no ringue é essencial para o atleta do UFC. É mais importante que ter uma boa tática, pois táticas mudam na hora. Se você sabe encaixar os golpes, levantar, aplicar o chute ou o soco, a hora da queda, você vai longe. O MMA é um tabuleiro, e o bom artista marcial deve procurar saber casar bem as peças que tem. É como um jogo de xadrez: o mais importante é sempre a próxima jogada. Não é pensar apenas no rei ou pensar no peão, mas a jogada na hora certa. Se o cara pensar apenas em proteger o rei e não contra-atacar, leva o xeque-mate. O mais importante é a próxima jogada.

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