Quando um não praticante me pergunta qual é o grande diferencial do Jiu-Jitsu brasileiro em relação às demais artes marciais, minha resposta é sempre taxativa: a guarda.
No mundo existem diversas artes marciais que trabalham golpes de impacto, como socos e chutes. Há outras modalidades de luta agarrada que privilegiam a queda e a imobilização do oponente. Mas não há nenhuma como o Jiu-Jitsu, que trabalhe com tanta propriedade uma das posições mais difíceis em uma situação de luta, que é a de cair por baixo.
Escutei certa vez alguém dizer que ser guardeiro é um atraso, pois o praticante trabalha contra a física e a gravidade. São pessoas que batem no peito, orgulhosos, para dizer que seus alunos são passadores natos. Para os que ainda têm essa mentalidade, me desculpe, mas talvez seja melhor mudar de esporte. Tentar a luta greco-romana, o judô ou o sambô, quem sabe.
Todos os grandes passadores da história do Jiu-Jitsu são também exímios guardeiros, vide Xande Ribeiro e Roger Gracie, apenas para citar dois atletas situados entre a antiga e a nova geração do Jiu-Jitsu.
A produção de fenômenos passadores de guarda, como por exemplo o atual campeão do ADCC Rodolfo Vieira, só é possível porque a evolução da guarda acontece a passos largos. Quanto mais técnicas são desenvolvidas por baixo, mais se tem a necessidade de treinar exaustivamente para vencer as barreiras de pernas do adversário. Por isso, e só por isso, nossos passadores são melhores do que os de outras modalidades – pois eles têm diariamente um imenso e habilidosíssimo material humano trabalhando com guarda nas academias.
É a guarda, no fim das contas, que permite ao atleta menor e mais fraco a oportunidade de vencer um oponente fisicamente superior. Poucos, por exemplo, imaginariam que o gigante francês Teddy Riner e o brasileiro Tiago Camilo poderiam fazer luta dura no judô. Ou que Daniel Cormier tivesse problemas para quedar Demetrious Johnson, o campeão dos moscas do UFC. Nesses esportes a superioridade de peso, tamanho e força faz toda a diferença.
Mas no Jiu-Jitsu já presenciamos Paulo Miyao, ainda faixa-marrom, com seus 65kg, ser campeão mundial absoluto. E quem não se lembra da luta entre Rafael Mendes e Rodolfo Vieira, na final sem kimono em Abu Dhabi, que terminou com o empate entre o peso-pena e o peso pesado?
Tudo isso só é possível porque, lá no passado, Carlos, Helio Gracie & cia tiveram a grande visão de trabalhar com afinco posições desconfortáveis no chão, e promover o estudo da guarda. Por isso, creio que um lutador de Jiu-Jitsu que só sabe fazer guarda é um atleta incompleto – mas ainda assim é um lutador de Jiu-Jitsu. Por outro lado, aquele que se diz apenas passador, e não domina técnicas de guarda, não pratica de fato a arte suave revolucionada no Brasil.
Carlos Gracie Junior tem uma célebre frase, na qual diz: “A guarda é a fortaleza do lutador de Jiu-Jitsu”. Com isso concordo cegamente. A família Gracie começou a trabalhar a guarda como se fosse uma muralha, capaz de suportar os ataques inimigos. Com o tempo, a muralha ganhou novos muros e canhões e hoje, além de afastar, também é capaz de aniquilar seu oponente.
Lembre-se, então, amigo leitor. Para ser um grande passador, você também precisa treinar muito de costas no chão. E então, qual é a sua posição de guarda favorita?
* Willian von Söhsten escreve todo mês em GRACIEMAG. Ele é formado em jornalismo e direito, com pós-graduação em semiótica. É faixa-preta de Cícero Costha e professor de Jiu-Jitsu na academia Team Nogueira, em Ribeirão Preto, SP.