Fora das competições desde 2017, Georges St-Pierre é um dos maiores nomes do mundo do MMA. O sucesso do campeão do UFC, garantem os professores de Jiu-Jitsu mais próximos, não está em sua carcaça, e sim no seu espírito de lutador.
Como diz o velho ditado repetido no mundo do MMA, “Meu irmão, ou o adversário protege as pernas, ou protege a cara”. O ensinamento explica em boa parte o sucesso do canadense Georges St-Pierre. Afinal, o que você faria se estivesse ali, frente a frente com ele? O que você protegeria? Karateca desde os sete anos e dono de jabs e chutes imprevisíveis, o ex-campeão dos meio-médios do UFC obrigava qualquer um a prestar atenção para não levar uma bifa na cara. Enquanto isso, seu lado wrestler olímpico fazia o adversário tombar na lona.
Mas todo esse aparato pouco adiantava quando a luta ia ao chão, e em 99% das ocasiões ela ia, seja por vontade dos envolvidos ou por puro acidente. Foi assim que St-Pierre percebeu rápido que era vital vestir o kimono e afiar seu Jiu-Jitsu para reinar no MMA. “O Georges apareceu na minha academia em 1999, começou de kimoninho e faixa-branca. Sempre foi um atleta, era muito explosivo e pegava as posições bem rápido. Lembro que a primeira sapatilha de wrestling dele quem comprou fui eu, quando o convenci a irmos dar uns treinos no time olímpico em Montreal. Hoje ele é esse monstro, um grande astro, mas ainda somos bons amigos”, recorda Wagnney Fabiano, seu primeiro professor de Jiu-Jitsu, com quem GSP conquistou a faixa-azul e o primeiro cinturão, na organização Ultimate Cage Championships (UCC), em 2001.
Já aposentado, St-Pierre não foi apenas um mestre no chão. Foi uma das mais azeitadas máquinas de lutar MMA, sabia como poucos anular o poderio ofensivo de qualquer rival. Dono de um fôlego monstruoso e uma mente tática, ficou invicto desde 7 de abril de 2007 até o fim de sua carreira. Em sua última atuação nas artes marciais mistas, o canadense utilizou seu Jiu-Jitsu e botou o americano Michael Bisping para dormir com um duro mata-leão no evento principal do UFC 217.
Nativo de Saint-Isidore, estado de Quebec, o ex-campeão até 77kg do UFC só gostava de medir distâncias dentro do ringue. Fora dele, ia aonde os melhores estavam para se aperfeiçoar. Já rodou o mundo em busca de treinos, disputou o ADCC 2007 em Nova Jersey, visitou o Rio de Janeiro um punhado de vezes e pegou a faixa-marrom com Renzo Gracie em Manhattan.
No início de 2011, zarpou para Londres com o objetivo de trocar conhecimentos com o fenômeno do pano Roger Gracie e com o tetracampeão mundial de Jiu-Jitsu Bráulio “Carcará” Estima. Para seu professor na Gracie Barra Montreal, Bruno Fernandes, esse é um dos principais aspectos para GSP estar invicto há tanto tempo. “Um dos motivos que ele quase não perde é esse constante aprimoramento de todos os aspectos da luta, seja em pé ou no chão. Apesar de ser considerado por muitos o melhor lutador da história, ele ainda mantém o espírito de faixa-branca, sempre interessado em aprender”, destaca Bruno.
Conversamos com GSP sobre Jiu-Jitsu certa vez, em junho de 2008, e o campeão explicou o que o motivava a sair do Canadá para buscar conhecimento. “Em Montreal não tem muita gente que me faça dar os três tapinhas… Já no Rio de Janeiro eu bato o tempo todo e sei que preciso treinar com gente melhor do que eu para me aprimorar. Considero viajar um grande investimento”, ensina.
Para o parceiro de treinos Bráulio Estima, o canadense reúne diversos ingredientes capazes de formar um exímio lutador, além do espírito de faixa-branca. “GSP possui o discernimento de escolher bem e aplicar efetivamente o que é válido para o seu próprio jogo. Ele é um cara que sabe colocar todos os aspectos do MMA em sintonia de uma forma ímpar e por isso é um fenômeno. Um exemplo? Com seu Jiu-Jitsu, ele sabe combinar muito bem os socos e cotoveladas e as movimentações de chão. E são duas coisas bem difíceis de encaixar, pois requerem uma coordenação motora elevada. Mas o timing dele é perfeito, fora do comum”.
Se os lutadores do UFC hoje são vistos como “super-heróis para adultos”, GSP reforçou isso com pelo menos um superpoder: o de enfraquecer o adversário. Bráulio concorda. “O GSP aplica muito bem um dos fundamentos do Jiu-Jitsu que eu considero um dos mais importantes para um lutador dominante: a capacidade de manipular bem o oponente durante a luta, não deixando que o mesmo consiga desenvolver o seu jogo mais forte. Tático e inteligente ao extremo, ele nunca se choca com o que o rival tem de melhor, e inteligentemente se posiciona em situações onde o oponente não se ajeita para desenvolver sua potência”.
Na realidade, GSP apresentava um jogo simples e eficiente, com boas transições – tudo o que um praticante de Jiu-Jitsu esperto almeja. E, como seus companheiros e professores são unânimes em dizer, sim, o canadense poderia surpreender muita gente de kimono no peso leve ou no médio, caso ele se dedicasse somente ao Jiu-Jitsu esportivo. Mas aí já fica difícil saber. Ao menos técnica, corpo e (especialmente) alma para isso ele tem.
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