Mestre Georges Mehdi (1934–2018) deixou saudades, muitas lições e uma série de alunos duríssimos espalhados pelos tatames nacionais. É o caso de nosso GMI Marcos Ayala, professor da academia Minos Funcional Fight, em Botafogo, RJ, que é faixa-preta de Muzio De Angelis e foi aluno de Mehdi no judô. Ayala topou dividir com os leitores de GRACIEMAG as principais lições que absorveu nas aulas do saudoso mestre nascido em Cannes, judoca medalhista de prata no Pan de 1963.
GRACIEMAG: Qual foi a lição mais valiosa que você aprendeu com mestre Mehdi?
MARCOS AYALA: Treinei com sensei Mehdi por sete anos, e sinto que a maior lição que aprendi, sem dúvidas, foi olhar para os outros. Ele era capaz de cuidar dos alunos como se fossem seus próprios filhos. Tecnicamente, foi o professor com mais conhecimentos que já vi. Ele tinha uma preocupação profunda e especial com os detalhes de cada movimento ensinado.
Muitos craques do judô não esquecem da primeira lição de humildade que Mehdi lhes deu: cuidar bem da academia e limpar até o banheiro da academia. Como era isso?
Acontecia, mas não era feito somente no banheiro, sempre tivemos o cuidado com o nosso dojô. Então limpávamos o banheiro, o tatame, a recepção e todos os demais locais da academia. No Japão, uma das tradições nos colégios de crianças e também nos dojos de artes marciais é o chamado “soji“, que significa simplesmente “limpar”. Nas escolas japonesas, o “soji no jikan” é a hora da limpeza, ou seja, a hora em que as crianças pegam o kit de limpeza e lavam bem a escola. Em geral, são 15 minutos por dia nas escolas, e cada criança possui um grupo de limpeza, com um líder.
Cairia bem esse aprendizado nas escolas brasileiras… E o que você aprendeu com esta típica tradição oriental?
No ato do “soji”, no ato da limpeza, aprendemos a limpar nosso ego, aprendemos a ser mais humildes e a “jogar fora” nossa sujeira e as nossas imperfeições. E também aprendíamos a meditar sobre o treino, refletindo sobre os erros e acertos, para buscar a evolução. O “soji” é mais do que uma limpeza física, mas um ato educacional de limpeza espiritual. É uma forma de trabalhar o respeito ao próximo.
Que outra história boa você lembra do mestre?
Nós tínhamos o hábito de nos reunir além das aulas de judô, com encontros frequentes em restaurantes onde sempre trocávamos ideia e ouvíamos as histórias do sensei Mehdi. Era um prazer só de estar sentado ao lado dele ouvindo aquelas histórias e ensinamentos. Tanto das façanhas como competidor como das histórias vividas como mestre. Sem dúvida as histórias que ele viveu no Japão são as melhores. Ele morou por 12 anos no berço do judô, e contava que no começo foi muito discriminado nos treinos. Depois foi ganhando o respeito dos japoneses, por ter um golpe muito eficiente (De ashi barai), entre outros. E também ganhou o respeito por jamais se negar a um boa faxina, o soji. Com um jeito sempre irreverente e muito solícito, ele ficou muito amigo do sensei Okano, fenômeno japonês com quem manteve contato até o fim da vida.
Como você acha que os ensinamentos de Mehdi moldaram seu estilo de lutar e ensinar?
O sensei sempre foi muito mais do que um simples professor de judô – era um professor da vida. Tinha uma facilidade enorme em atingir o coração das pessoas que o cercavam. Não era difícil se encantar por ele. Hoje tenho dois filhos, e sinto que trago para casa muitas coisas que vivenciei e aprendi com sensei Mehdi, e uso muito isso para a educação deles. Desde o estabelecimento de regras em casa e rigidez ao cumpri-las, até o carinho e cuidado com a pessoa que está ao seu lado.
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