Mudar não é fácil. Somos animais comandados por ciclos e hábitos. Quando encontramos uma zona confortável, ainda que não seja a ideal, tendemos a permanecer nela. São poucos os executivos que têm coragem de largar um emprego bem remunerado para abrir o próprio negócio. São poucos os guardeiros de sucesso que, após alguns títulos, arriscam-se a mudar radicalmente para um jogo de passagem de guarda. Os riscos são maiores, OK; porém, as recompensas também são. É preciso mudar para não ser superado. Ou, como diz o dito popular, “pedra que rola não cria limo”.
Foi justamente isso o que fez o ex-campeão peso leve do UFC Rafael dos Anjos.
Depois de conquistar o cinturão de uma das categorias mais disputadas do esporte, superando nomes como Ben Henderson, Nate Diaz e Anthony Pettis, não restava dúvidas quanto ao sucesso de Rafael. Mesmo após perder o título para Eddie Alvarez – em luta bastante equilibrada, na qual o brasileiro estava vencendo até receber um cruzado certeiro – e ser derrotado por pontos pelo atual campeão interino Tony Ferguson, ninguém podia dizer que Dos Anjos estava passando dificuldades. Afinal, continuava sendo um dos três melhores da categoria e com plenas chances de vencer de novo – tanto numa eventual revanche contra seus algozes quanto contra o falastrão Conor McGregor.
Ainda assim, Dos Anjos estava inquieto. Mesmo acostumado com o corte de peso para 70kg, passava cada vez mais dificuldades para fazê-lo e acreditava que o processo o estava prejudicando. Perfeccionista, acreditava que poderia render mais, ter mais resistência e bater mais forte na categoria meio-médio.
Era uma mudança arriscada. Baixo, Rafael seria menor e teria menos envergadura do que os lutadores mais bem ranqueados da divisão. Sem nunca ter lutado na divisão 77kg no UFC, teria de enfrentar oponentes maciçamente fortes como Tyron Woodley, Robbie Lawler, Stephen Thompson e Carlos Condit. Seriam necessárias mais vitórias do que no peso leve para que chegasse a uma nova disputa de cinturão. Todavia, nada disso intimidou o ex-campeão e ele partiu rumo ao desconhecido.
Dos Anjos usou sua primeira luta na categoria para se adaptar. Embora o confronto contra Tarec Saffedine não tenha sido nada notável, foi importante para o brasileiro adquirir confiança e provar que poderia ganhar convincentemente de um adversário maior, sem sofrer qualquer risco. Contra o sempre perigoso Neil Magny, a atuação foi maiúscula e a finalização pôs Rafael imediatamente entre os principais postulantes ao título.
O teste de fogo seria contra o mais temido e violento ex-campeão da categoria. Em 16 de dezembro, Rafael enfrentaria Robbie Lawler, conhecido por ser incansável, brutal e por proporcionar batalhas épicas. Era a hora de definir seu futuro: uma vitória convincente poderia colocá-lo na disputa de cinturão, uma derrota acachapante poderia estabelecer seu limite como “porteiro” da divisão.
No começo da luta, Robbie partiu para caçar seu adversário igual a um cão do inferno, como é de seu costume. Dos Anjos não se intimidou e alternava inteligentemente chutes baixos para manter a distância com clinches de muay thai para “grudar” no oponente. Com isso, evitava a trocação franca à meia-distância, arma mais mortal de Lawler. O faixa-preta de Roberto “Gordo” Correa aproveitou os espaços que criava nessa alternância para acertar diretos potentes e mostrar que o americano não era o único que batia como uma clava. O demônio provou do próprio remédio, e não gostou.
A partir do segundo round, Rafael já ditava o ritmo da luta. Quando sentiu que um de seus diretos havia abalado Lawler, Dos Anjos partiu para uma incrível sequência de mais de 20 golpes. Um adversário menos técnico e resistente certamente teria sucumbido, mas Robbie continuou como se estivesse possuído. Um agressor menos preparado teria se extenuado após tantos golpes, mas Rafael mostrou os benefícios físicos que a mudança de categoria lhe trouxe.
No terceiro round, quando cadenciava o ritmo e Lawler parecia melhorar no combate, o brasileiro deu um knockdown no adversário e emendou com um ground and pound avassalador. Os dois últimos rounds – os chamados “rounds de campeonato” – serviram para provar que Rafa estava mais do que preparado para lutar em ritmo alucinante por 25 minutos. A vitória por decisão unânime dos jurados foi consagradora, impressionante. Incontestável.
Provando que é preciso se mudar e se arriscar para alcançar a grandeza, Rafael dos Anjos pode vir a ser o primeiro brasileiro e um dos cinco únicos lutadores a se tornar campeão em duas categorias do UFC. Nos espelhemos em seu exemplo e façamos deste 2018 um ano de grandes realizações. O primeiro passo é o mais difícil e cabe só a nós mesmos.
**** Reportagem publicada originalmente em GRACIEMAG #251. Rafael luta pelo cinturão interino neste sábado, contra Colby Covington, no UFC 225, ao vivo pelo Canal Combate.
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