Presidente da SJJSAF, nosso GMI Cleiber Maia percorreu um longo caminho no Jiu-Jitsu até chegar na posição que hoje ocupa. Iniciado na Maxi Forma, sob a tutela de Rilion Gracie, Cleiber encarou desafios e aprendeu com grandes nomes da época no esporte.
Em papo com GRACIEMAG, a fera discorreu sobre sua trajetória na arte suave, as lesões acumuladas no caminho e como todas as experiências contribuíram para o sucesso da federação presidida por ele. Confira nas linhas abaixo!
GRACIEMAG: Como surgiu seu interesse no Jiu-Jitsu?
CLEIBER MAIA: Aos 14 anos de idade, eu tinha vontade de fazer alguma luta, então passei a visitar academias para ver se alguma despertava meu interesse. Gostei muito da academia do Rilion Gracie. Comecei a treinar lá em 1984.
Ainda nas coloridas, tinha vontade de competir?
Com 16 anos, já desse tamanho, conquistei a faixa-azul e comecei a pedir para competir. Embora a linha de treinos da academia não focasse em competições, eu competia mesmo assim, me inscrevia sem ninguém ficar sabendo. Chegava depois animado com a medalha na mão… (risos). Nos campeonatos maiores, nós lutávamos como Clube Gracie, que consistia da Gracie Humaitá, Gracie Barra e Rilion Gracie. Eu nunca fazia seletiva, era sempre posto para lutar no pesadíssimo e absoluto. No meu primeiro campeonato grande, ganhei a primeira luta, mas perdi a semifinal nos pontos para o Jucão, que por sua vez foi derrotado pelo Sérgio Bolão na final do evento.
Algum confronto marcante nas coloridas?
Na época da azul e da roxa, geralmente chegava às finais contra Amaury Bitetti e Ricardo Libório, lutei uma vez com Wallid Ismail e duas vezes contra o Luis Roberto Duarte, o Bebeo. Fiz um lutão na faixa-azul com Leonardo Castello Branco, mais um adversário que se tornou um amigo que admiro e respeito.
Apesar de ser um praticante do Jiu-Jitsu, você não se limitava a uma só arte marcial. Como foi a sua passagem pelo judô?
Desde 1988 lutava no universitário de judô pela PUC, no meio-pesado. O Roberto Traven lutava uma categoria abaixo e o Fabio Gurgel em outra ainda mais leve, mas ambos disputavam pela Gama Filho. Finalizávamos em todas as lutas. Quando ganhei a roxa no judô, ficou mais difícil porque comecei a enfrentar só faixas-pretas. Comecei a perder lutas, até empatei em um campeonato de equipe contra a Castello Branco. A equipe da PUC era composta por mim, Beto Leitão e alguns outros atletas bons, mas a equipe da Castello era todo o grupo do Flamengo daquela época. Ainda consegui empatar com o faixa-preta deles, mas o Beto acabou lutando contra o Frederico “Flexa”, que era bem mais pesado que ele, e só ia nas pernas, o que fez ele ser desclassificado porque fugiu da luta em pé. A gente acabou perdendo essa competição, mas foi uma época muito boa. Depois disso, o Beto começou a dar aula de luta livre na PUC e como eu sempre treinava sem kimono, ele me pediu ajuda nas aulas dele e comecei a chamar todo mundo para treinar sem kimono lá na PUC.
Chegou a competir na luta livre?
Em 1989, fui campeão carioca absoluto na luta esportiva, no Clube Santa Luzia. Na época não tinha faixa, então eu realmente estava bem. O pessoal do Hugo Duarte e do Denilson Maia, que eram da luta livre, não entravam nesses campeonatos, por motivos que desconheço. Quem participava era o grupo do Jeferson (JOP), do Beto e da Budokan. Inclusive, nós tínhamos um bom relacionamento com o pessoal da Budokan e treinávamos lá aos sábados sem kimono. Nessa época eu treinava no [Romero] Jacaré também, então treinava Jiu-Jitsu e luta livre. Lembrando que em 1989, já tinha um clima ruim entre o Jiu-Jitsu e a luta livre, mas eu não ligava para isso.
Como foi feita a sua transição da luta livre para a luta olímpica?
Ainda em 1989, o Beto me chamou para treinar luta olímpica, ainda no Clube Santa Luzia. Eventualmente, o tatame de lá foi levado para uma academia de polícia de Niterói e nós passamos a treinar na academia do Carlson Gracie, que tinha um tatame de luta olímpica no andar de baixo. Treinávamos com o Carlson Gracie Junior, Marcelo Portinari e Laerte Barcelos. O Laerte, inclusive, já era faixa-preta, mas eu não sabia porque ele sempre foi discreto.
Com essa equipe pesada de treinos, por que nunca vimos Cleiber Maia em uma competição olímpica?
No mesmo ano em que comecei a treinar, contratei um preparador físico para tentar ir para os Jogos Olímpicos. Fui campeão brasileiro júnior de luta olímpica e vice-campeão sênior em Goiânia. Perdi o sênior, que hoje em dia seria categoria adulta, para um faixa-preta de São Paulo bem mais experiente. O problema é que esse cara não tinha intenção de fazer parte da equipe olímpica, então foi feita uma seletiva para ver quem faria parte desse time que iria disputar ao redor do mundo para se qualificar para os Jogos Olímpicos. Poucos dias antes dessa seletiva, tive uma contratura na cervical e pedi uma semana a mais para poder me recuperar, mas o presidente da federação negou o pedido e acabei ficando de fora. Depois disso, resolvi voltar meu foco para o Jiu-Jitsu.
Eventualmente você passou a treinar e ensinar junto ao Aloísio Silva. O que motivou esta mudança?
Conheci o Aloísio Silva quando ingressei na academia do Rilion, aos 14 anos. Ele era faixa-azul, tinha 30 anos e trabalhava como executivo. Ele tinha uma casa de veraneio em Petrópolis, perto de onde minha família tinha um sítio, então eu ia de mobilete para treinar na casa dele, que tinha um tatame. Como eu era meio gordinho, ele me indicou um nutricionista para emagrecer e ficar bem. Em competição, ele ia mais vezes do que o Rilion para me assistir lutando, então criou uma relação meio paterna. Mesmo depois de ingressar na academia do [Romero] Jacaré, essa amizade continuou e um ano depois ele resolveu deixar de ser executivo para virar professor de Jiu-Jitsu. Ele conseguiu entrar na academia Mazza, em Laranjeiras, e me chamou para dar aula com ele, sendo que eu ainda estava na faixa-marrom.
Como foi essa transição?
Conversei com o Romero Jacaré, meu professor na época, que sabia da minha amizade com o Aloísio. Expliquei que ele passaria a lecionar, que precisaria da minha ajuda, principalmente com as crianças por causa da minha experiência como monitor do Leão Teixeira na Barra Gracie em 1988 e o Jacaré compreendeu. Na Mazza, nós dividíamos o espaço com as equipes do Hugo Duarte e do Denilson Maia, mas foi um sucesso. Conseguimos muitos alunos, inclusive um casca-grossa da luta livre que treinava Jiu-Jitsu escondido para não ter problemas no esporte dele. Um dia, chegou o Denilson Maia de kimono e sentou na beira do tatame para assistir a aula infantil. Conversamos no fim da aula, ele me contou que era faixa-preta, então chamei para treinar comigo. Quando fiz o convite, a academia toda parou. Os gerentes da academia, as pessoas que estavam na musculação e na ginástica pararam tudo para assistir ao treino, como se fosse um desafio.
E qual foi o desfecho do treino que interrompeu as operações na academia Mazza?
Treino não se comenta, mas depois daquele dia, ele nunca mais voltou (risos). Não vou dizer o que aconteceu, mas ele nunca mais voltou para me desafiar. Eu estava muito bem naquela época, com ou sem kimono. Só direi que depois desse encontro, acabaram os burburinhos e as conversas fiadas entre os dois grupos na Mazza, resolvemos o problema no tatame.
Apesar da sua carreira no Jiu-Jitsu, você se viu afastado dos tatames por conta de uma lesão. Como se deu esse problema?
Teve um campeonato em 1990, a Copa Nastra, que o pessoal da luta livre chegou para desafiar o pessoal de Jiu-Jitsu. Lutei no absoluto e na categoria, mas lutei primeiro no absoluto. Ganhei do Bebeo na semifinal e ia lutar com o Fernando Gurgel, que tinha vencido o Wallid, na final. No fim da luta com o Bebeo, não conseguia ficar em pé e descobri que tinha rompido o menisco. Estava com o corpo quente, então não sentia nada. Não pude lutar a final, fiquei seis meses sem poder treinar e, como fiz faculdade de administração de empresa, acabei me voltando para os empreendimentos da família. Nesse meio tempo, o Aloísio saiu de Laranjeiras, alugou um espaço em Copacabana e montou a Dojo. Eu até visitava a academia, afinal os alunos me admiravam, mas não acompanhei ele na época. Mesmo assim, até hoje o tenho como mestre.
Em 1999, você conquistou a faixa-preta no Jiu-Jitsu. Como foi o processo de ser graduado oficialmente a professor?
Não tinha intenção de dar aulas porque trabalhava como empresário, então fazia pouca diferença para mim. O Aloísio me falou que haveria um curso de formação de faixas-pretas e que ele queria me graduar logo, afinal já faziam quase nove anos que estava com a marrom. Fiz o curso, ele me deu a preta naquele mesmo ano, mas nessa época eu só frequentava academia de judô, puxando aula de chão. Recebia muita visita do pessoal do Jiu-Jitsu, então eles me viam há muitos anos com a preta porque era a graduação que eu tinha no judô.
Já com a preta, como ficou a sua relação com o Jiu-Jitsu? Voltou a competir?
O Aloísio foi para os Estados Unidos com a família e fiquei aqui no Brasil. Como não tinha mais a academia dele para visitar, resolvi entrar na academia do Royler, já que era perto da minha casa e era clube Gracie. Em 2004, teve um campeonato internacional da IBJJF que o Royler queria que eu participasse. Estava muito fora de forma, sobrepeso na verdade, mas treinava muito bem na academia. Pela minha experiência, jogava muito bem em pé e no chão, mesmo com problemas de peso, joelho e coluna. O Royler insistia dizendo que eu seria campeão mas eu achava que ia morrer no tatame, porque na época tinha morrido um jogador de futebol do São Caetano em campo e eu estava com a pressão alta e fora de forma. Para me convencer, o Royler disse que seria apenas uma luta e concordei. Quando cheguei no evento, tinha uma galera para encarar.
Como foi o seu desempenho na competição?
Ganhei a primeira luta e encarei um casca-grossa de Manaus na semifinal. O cara tentou me quedar com um tomoe nage mas acabou me dando um pisão na barriga, quase botei as tripas para fora (risos). Ele acabou ganhando e fiquei em terceiro lugar.
Você encarou um quadro sério de obesidade durante sua trajetória. Como lidou com esse problema?
Meu problema com peso chegou ao seu ápice em 2007, quando bati 145kg. Por conta do meu distúrbio alimentar, resolvi fazer uma cirurgia bariátrica e perdi 50Kg em seis meses. Depois de me recuperar, consegui ganhar massa muscular e voltei a ensinar Jiu-Jitsu no ano seguinte, pois meu objetivo era deixar um legado como educador e também no âmbito administrativo do esporte.
Qual é a chave para ser um bom professor no Jiu-Jitsu?
Quando comecei, ainda tinha saúde para treinar, então treinava muito e ainda dava aula, já que sempre gostei de desenvolvimento didático. Sempre convidava muita gente para treinar comigo e às vezes até visitava outras academias. Aprimorei muito a minha técnica dando aulas e passei a ter mais segurança no meu jogo nos campeonatos. Apesar de também ensinar o básico, sempre compartilhei as estratégias em que eu era especialista, desde a primeira pegada até a finalização. É por isso que sempre fui reconhecido como um bom professor, porque ensinava o que fazia no tatame.
Obviamente, é necessário entender e ensinar bem o básico, mas é preciso perceber a potencialidade de cada aluno para conduzi-lo nos 3 objetivos pedagógicos, o de participação (social), de rendimento (melhora da performance) e no terapêutico (melhora da qualidade de vida).
Como evitar que seu aluno se mantenha na zona de conforto e fique com o jogo batido no Jiu-Jitsu?
De tempos em tempos, quando percebia que o atleta ficava muito confortável na estratégia dele, eu desconstruía junto com ele. Inspirava ele a abrir mão do que ele era especialista para tentar algo novo e modificar o jogo, abrir a mente e ampliar a perspectiva competitiva. Esse mecanismo de construção e desconstrução é engrandecedor dentro e fora dos tatames. Sem ele perceber, ele passa a ter mais segurança e a ver as crises como um sinal de que ele precisa mudar o jogo. Como ele já mudou várias vezes durante o treino, não vai ser muito difícil porque ele está preparado para lidar com situações que geram a necessidade de investir em novas abordagens. É desconfortável, alguns alunos reclamam e reagem porque a mudança incomoda mas, como mestres, nossa função é fazer com que eles se acostumem com mudanças.
Qual é o aspecto da vida de atleta que te influenciou na vida profissional?
Nunca fui um atleta disciplinado, sempre fui um lutador, um cara que gostava de lutar. Por causa disso, carrego tantas lesões hoje em dia e tenho essa luta contra o meu peso. Isso é algo importante para ser observado em mim e em qualquer atleta, essa disciplina. Isso depois você transmite para outras partes da sua vida. Sou um profissional disciplinado, mas se fosse um atleta mais disciplinado, talvez hoje seria um profissional ainda melhor.
Qual foi seu primeiro contato com a SJJIF?
Soube que o João Silva, filho do Aloísio, tinha fundado uma federação nos Estados Unidos em 2005. Em 2013, ele me convidou para fundar a Federação Internacional juntamente com as federações da América do Norte, Ásia, Europa e a da América do Sul, a qual eu seria o presidente. Eu havia me preparado para esse trabalho a vida toda, mas queria ver como funcionaria, porque já existiam outras por aqui, então precisaria ter um diferencial. Quando ele me questionou sobre esse diferencial, eu disse que é preciso investir no Jiu-Jitsu para pessoas com deficiência e no atendimento a projetos sociais, que é uma realidade no Brasil.
E quais foram as suas impressões?
Fui aos Estados Unidos para entender o sistema utilizado e como eram aplicadas as regras. Fiquei encantado com a seriedade, organização e profissionalismo do João. Queria trazer esse modelo para cá e chamei o Raphael Abi-Rihan para fazer a gestão dos nossos campeonatos, tendo em vista que ele possuía experiência nessa área. Fizemos nosso primeiro campeonato no CEFAN e foi um sucesso. Investimos forte na comunicação visual, o ginásio tinha ar condicionado, tatame olímpico, foi muito bom. O próprio João veio dos Estados Unidos para fazer a verificação técnica e nos ajudar a utilizar o sistema americano. Assim começou a SJJSAF e hoje são 50 federações em todos os seis continentes. Nós sempre fomos uma boa referência em inclusão no Jiu-Jitsu e no tratamento de forma igualitária de todos os atletas, independente de diferenças sociais, financeiras ou até mesmo de idade. Nós sempre tivemos foco na nossa política de atendimento.
Você mencionou que se sentia muito preparado para um cargo administrativo no Jiu-Jitsu. Qual foi a base dessa confiança?
Quando falei que me preparei a vida toda para trabalhar administrativamente com o Jiu-Jitsu, é porque passei por todas as etapas possíveis. Fui aluno, atleta, monitor, instrutor auxiliar, professor, trabalhei em projeto social, dei aula e adaptei a minha didática para pessoas com deficiência. Fiz faculdade em administração de empresas e MBA em administração esportiva na Fundação Getúlio Vargas. Tem muita coisa para ser feita, não basta ser lutador a vida toda ou fazer Jiu-Jitsu só como passatempo. O Jiu-Jitsu te oferece muitas oportunidades de conhecer gente, aprender coisas, evoluir como ser humano e amadurecer.
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