O destemido surfista Eraldo Gueiros começou a treinar Jiu-Jitsu como muitos caçadores de ondas perfeitas da sua geração. Entre uma viagem e outra, cruzava com faixas-pretas renomados, até que decidiu vestir o kimono e se testar.
“Vim de Pernambuco para o Rio de Janeiro, onde havia muitos caras do Jiu-Jitsu. Conheci várias grandes figuras e por influência deles comecei a praticar, em 1987. O saudoso Marcelo Behring foi o meu primeiro professor”, lembra Gueiros, de 52 anos.
Ao completar 50 anos, Eraldo percebeu a importância do Jiu-Jitsu para a saúde, e decidiu abraçar de vez o estilo de vida da arte suave recentemente. Os treinos de defesa pessoal se tornaram mais constante, Eraldo apoiou a abertura de uma casa Surf e Jiu em São Conrado, tocada pelo professor Vitor Terra, e a faixa-preta veio no ano passado, ao completar 30 anos de treinos. Um exemplo de perseverança.
A seguir, Eraldo lembra alguns dos seus momentos nas ondas e nos tatames, e distribui lições.
GRACIEMAG: O Jiu-Jitsu ajuda você a ser um surfista melhor? Em que o surfe e a luta se parecem?
ERALDO GUEIROS: O Jiu-Jitsu e o surfe se assemelham muito na questão do tempo. É preciso aprender a lidar bem com o tempo do aprendizado, com o amadurecimento. Tanto nos mares como nos dojôs a gente demora a aprender, a lapidar uma técnica, a dominar a manobra que queremos ver perfeita. É preciso perseverar, insistir, convencer a mente de que o processo é lento. Isso é de certa forma uma terapia boa para a cabeça, diminui a ansiedade. Tanto no Jiu-Jitsu como no surfe você obrigatoriamente aprende a se controlar mentalmente, a não se debater na hora do sufoco. Quando tomamos um caldo daqueles, é preciso administrar o oxigênio e saber enxergar a saída.
O mar é como um grande parceiro de treinos, não acha? É ele que ensina tudo, mas quem entra sem respeitá-lo passa por maus bocados e sai derrotado…
Sim, o surfe ensina isso diariamente, que os oponentes devem ser respeitados. No caso, o mar é o principal deles. Há outra semelhança interessante entre o mundo das pranchas e das artes marciais: é preciso saber a hora de usar o peso. E aprender a não gastar força e energia à toa. Aspectos fundamentais que a gente aprende com o tempo.
Há uma frase atribuída a Kelly Slater que diz: “O primeiro esporte que os pais deveriam por os filhos é o Jiu-Jitsu.” Você concorda?
A frase do Kelly Slater é certeira. As duas coisas que as crianças mais deveriam aprender é a nadar e a se defender. Ou seja, a sobreviverem em situações perigosas. Por isso acho que a natação e o Jiu-Jitsu são atividades essenciais para a vida, seja a idade que tivermos.
Que histórias ricas em adrenalina você já viveu?
Foram muitas. Só no Havaí já passei 30 invernos, encarando mares grandes. Enfrentei ondas gigantes e até tubarões. Uma das histórias mais radicais que vivi foi num swell gigante que pegamos na Califórnia. Era como um olho do furacão que abarcava metade do Oceano Pacífico, quando a gente olhava. Fomos do Havaí para a Califórnia para ver o swell e disputar um torneio, e quando chegamos o bicho era maior do que pensávamos. Virei para o Carlos Burle, meu parceiro de jet-ski, e precisamos montar uma estratégia: vamos esperar o mar ir crescendo, vamos entrar na hora certa. O resultado foi sensacional, pois pegamos as maiores ondas do dia, uns vagalhões de 60 pés (cerca de 18 metros), e ainda fomos os campeões do evento. Encaramos uma tempestade perfeita e saímos ilesos para contar a história. Naquele dia vimos quebrar ondas de cem pés, um dos momentos mais marcantes da minha vida.
Publicamos aqui no mês passado um artigo sobre como o Michael Phelps viveu tempos de depressão, mostrando que o esporte somente não alivia os males da mente humana. O surfe e o Jiu-Jitsu são atividades essenciais para aliviar essas pressões da sociedade moderna?
Sim, eu creio que o poder da água salgada no surfe é uma terapia insubstituível, assim como a adrenalina do treininho combate qualquer estresse. Mas entendo o que o Phelps viveu. Quando se chega ao ápice de uma carreira, e depois é preciso diminuir o ritmo ou se aposentar, é natural que qualquer indivíduo sinta uma tristeza grande. A vida toma uma outra forma, e ninguém é imune a mudanças tão grandes. Quando abandonei o surfe profissional eu também senti isso, e é preciso achar novas formas de se motivar, de se reinventar. E foi assim que o Jiu-Jitsu encaixou tão bem para mim há uns cinco anos, por me ajudar a complementar esse vazio que o abandono do surfe profissional deixou na minha carreira. Na vida é preciso estar sempre assim, buscando novos ofícios, novos intercâmbios, novos aprendizados. Com a idade aprendemos que cada idade traz uma fase, é preciso manter o ânimo e o tesão para seguir com a mente jovem, curtindo outras atividades.
Você já teve problemas com o localismo?
Muitos, como todo surfista. Mas como vim parar no Havaí muito novo, com 17 anos, aprendi logo como a coisa funciona. É preciso respeitar os locais, saber quem tem as prioridades, quem é o mais antigo na praia, e esperar minha vez. O surfe educa a pessoa a saber esperar. Sua vez certamente vai chegar. O surfe, como o Jiu-Jitsu, é um dos poucos esportes que você senta do lado de um campeão mundial numa boa, e treina no mesmo espaço que ele sem estranheza, num clima altamente democrático. Você não vê nenhum tenista de fim de semana batendo bola com o Federer, mas no surfe você pode treinar pertinho do Slater.
O que o Jiu-Jitsu e o surfe te ensinaram sobre a vida, afinal?
Respeito, humildade e perseverança. São lições comuns aos dois estilos de vida.
Artigo retirado da GRACIEMAG número #253. Para ler mais conteúdos como este, assine já a maior e melhor revista de Jiu-Jitsu do país!
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